O rosto dela é matizado de azulejo.
Finíssimo cabedal de carmim lhe enroupa
a mesma boca que, atirando um beijo,
a volvê-lo se nega, por pirraça e desejo,
ensejo a que ela nunca se poupa.
Tem algo de barco andarilho.
É certo: foi já casada e tem um filho,
mas ninguém o diria. Maria (assim se chama)
oblíqua na rua, direita na cama,
tem algo de barco e espuma no trilho.
Gosta de espargos, gosta de morangos.
Aos sábados sai, vem o pai do filho.
E saem os dois e dançam uns tangos –
valsas é que não, pode dar sarilho.
*
(soneto-cão)
Vi o homem com boca de cão triste.
Vi a dama habitada pela cegonha.
Da Terra me tire e no Inferno me ponha
quem jure que eu sou alguém que desiste.
Vi já silhuetas só sombras de nadas.
Vi tantas marés, bem menos vi praias.
À espera que entres e nunca mais saias,
eu vi silhuetas de mar assombradas.
Aqui entre nós, penso ter já visto
más coisas, más almas, a que só resisto
por puro obstinado feitio nascido.
Antes isso! Que, se não desisto,
é por teimosia. Já agora, insisto
em ser o tal homem, cão entristecido.
*
(soneto-vivido)
Ela desesparadrapa sedas inconsúteis, falando.
Murmura mais do que fala, marulha.
É de tenra e terna suavidade, a locutora.
Aprecio-lhe o vocalismo brando, sonhando eu.
Pergunto sem outra voz que esta, a de dentro,
que será feito delas, digo, ela e dela a voz.
O tempo é dado a assoreamentos levadores
do que água em pessoa (me) foi, digo,
tenho perdido alguéns – e ninguém, por isso,
tenho eu mais que outros sido e/ou vivido.
Agora, o veludo usa postes para ser noite.
Fora, tudo recusa que gostes. Foi-te
precioso ter esquecido, mas eu tenho perdido
o que, vivido, nem por isso mais sido.
1 comentário:
fosca-se!!!
Enviar um comentário