11/10/2010
IDEÁRIO DE COIMBRA - podografias de retorno – 77
77. DANIEL BY NIGHT
Coimbra, sexta-feira, 24 de Setembro de 2010
Chama-se Noite, a manta que oblitera raias.
É tão mais negra quão mais branca.
Dela, os ossos são de diamante.
Ela cerca as pessoas, aproxima-as do olvido.
Sinfonia de destroços (ossos
de diamante), a Noite é de
uma rumorosa paz
de cabra ruminando, mas leva-nos
a Mãe, não nos leva
à Mãe.
Pertenço à Noite de todas as minhas vísceras.
Ao pó das estrelas, ante o rio gelado,
incendeio de mármore as minhas vésperas
e quando me deito, deito-me reconciliado
com a aceitação. Olha-me em torno:
ali o centro comercial (propriedade de pechisbeque),
ali um senhor qu’infelizmente é corno,
ali duas senhoras de muletas ao ataque.
Nenhuma fronteira senão esta derradeira,
a do coração. A do coração anoitecido,
digo.
Violetas ensombram arcadas imaginadas,
perdidos são os paços dos idos monarcas,
os autocarros amarelejam outonalmente
da rua que vai do Parque a S. José.
Ante o Hotel Astória, imagino-me outro,
um quase qualquer outro desde que não
este.
Depois este volta, volta-se
rumorosamente na
Noite
– e a sinfonia de despojos
apraia-se, destroçante enseada descoroçoante
que ao Mondego azula
tal diamante
alvíssimo.
Já senhoras como basílicas encontrei
em e a quem rezei
lacteamente.
Lembro-as na minha vicissitude podógrafa.
Recordo-as em vãos de espelhos, nas montras
expoentes de femininos adereços, digo,
bonecas, loções, sapatitos de corda, pão de trigo.
Ou recordo-as em vão, de joelhos.
Isto passa – que tudo passa
e se passa.
Hoje é a Noite. Uma sexta-feira,
longe do Hotel Astória.
E é outra, a mesma sendo,
a minha, como a vossa,
história.
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