03/10/2010

Ideário de Coimbra - 81 - Coimbra, sexta-feira e sábado, 1 e 2 de Outubro de 2010

81. Amor, tremor, abelhas, caracóis



Coimbra, sexta-feira e sábado, 1 e 2 de Outubro de 2010

Para Julio Cortázar, que me inspira destas coisas




Tem o amor qualquer coisa como
um pânico de abelhas,
algo de pêssego menstrual,
de madeira viva ressumando seiva
em manhãs-acácias de tão amarelas,
de noites verdes também,
como dizê-lo?,
tem o amor um quieto velocipedismo,
qualquer coisa como
um incêndio de glaciares,
um vórtice de facturas e consumos mínimos,
de mosca em anfiteatro vazio,
de Outubro.


Nem sempre o amor erótico,
mas às vezes o outro, o herético,
porque recusa qualquer fé
que não a de por si mesmo.


Outras vezes, o tremor das mãos,
porque bebeste muito e amaste mal.


*


E então a sexta vai-se e o sábado vem-se, pessoas adquirem empadas e folhados de salsicha em caixinhas de papelão fino, o Sol de Outubro é de uma pátina de margarina, vontade de sair por esses bairros onde o esquecimento é minucioso e simultâneo, e como uma saia o vento plissa as vegetações da Cidade, as bocas bordam a roxo as próteses comedoras, dois homens do lixo em silêncio parecem pombos verdes, ambos comem sandes sentados num muro baixo perto da escola, para oriente as nuvens adensam uma-quase-angústia-um-quase-nada, o Rio atira-se a ser Mar mas dá de trombas no açude, sobre cuja amurada os ciganos sonham lampreias, folhas soltas de jornal revoam pelo chão como medusas ilegíveis, eu penso em ti tornando-te outra na minha mesmidade, a longa brevidade da vida, tão patente sempre nas praças por onde o Tempo fez e faz escoar, dissipando-as, gerações e gerações obscurecidas pela abom’inominável solidão dos domingos e todos os sábados à uma da tarde, quando o comércio se fecha como caracóis tocados.

2 comentários:

Anónimo disse...

gostei muito de conhecer este amor, daniel. um beijinho.

Daniel Abrunheiro disse...

É só um poema, Alice, não um amor, mas obrigado.

Canzoada Assaltante