15. VEM, VEM, Ó MEU ANJO EM PULCRA GRAÇA
Coimbra, segunda-feira, 14 de Junho de 2010
É sobre um chão de mortos que vivemos. De mortos e de plantas vivas, valha a verdade. Na Praça 25 de Abril, certo chorão é de tremenda beleza subindo dos mortos. Não indago a vida diferente das pedras. A minha geologia é outra: árvores e gente – e aves umas a outra liando, piando piano. Uma ave, todas as aves. A Cidade está emprestada aos vivos. Também: empestada de vivos. As aves vivas não consideram as aves que morreram. Sobreviveram ao betão, às máquinas, às paróquias, às comarcas, as aves das cidades. Por campos do Mondego, exercem a magistratura da solidão. Nós por aqui também. As aves de Coimbra não sofrem incerteza. Os prédios amarelecem décadas. Os mais de nós não olhamos as aves. Fechamo-nos nos prédios, em quartos juncados de quinquilharia mental. Usamos um coração de pechisbeque, uma memória de bricabraque. Acumulamos vitualhas pobríssimas. Salvamo-nos quando cheiramos a sabão e a manjerico. Pelas noites, cavalheiros furtivos mijam esquinas, marcam território, sobre o chão-de-vivos-mortos-plantas.
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