14. ROSA DE CÁ PARA O GAJO CANHOTO
Coimbra, domingo, 13 de Junho de 2010
Já nem é assim tão cedo (09h34m) – mas os domingos de Coimbra são de uma exterior paz campestre. Para agravo, o Sol, o Grande Farol, voltou em força. É uma força suave, a esta hora, mas se calhar vai abrasar a urbe não há-de tardar muito.
Na esplanada do Gira-Solum à espera do MF, que precisa de um trabalho escrito revisto à maneira. Cá estou.
Um gajo numa motorizada amarela. Uma divorciada de cabeleira encharcada de tinta ruiva. Um coimbrinha a ler o Diário da República-B, vulto Diário de Notícias. Dois gansos de setentas e tais passeando o colesterol e o in memoriam da próstata. Jubilosas andorinhas e pardais argutos como riscos de criança em caderno-céu. Caixotes e caixotes verticais com gente dentro. Umas pernas mal amanhadas de quarentão entre calções e sapatilhas de domingo aeróbico-matinal. Um arrumador de boné de pala, encarnado o boné, tição amarelo o arrumador. Um Citroën AX Furio como o que tive, uma vez na vida. Uma sirigaita (muito) serôdia trajada de nova (roupagem negra, gorro incluso, entre o palestiniano e o baitimbora). Um casal feliz, ele-bola, ela-novela, mas duas têvês em casa. Criança absolutamente nenhuma. Nenhuma ânsia, também. Uma mulher do formato da minha Mãe há cinquenta anos. Óculos, pochettes, maletas, sandálias, lacostes, sacos plásticos, cãs, um chapéu de padrão xadrez encimando um bigode à brasileiro dos anos 50/XX (tipo Scolari), uma máquina fotográfica digital tamanho-polegar, um afro velho e duas afras média idade, outra vez o gajo da motorizada amarela, o 5F Portagem, um careca vermelhusco como uma lâmpada de pórtico de casa-de-putas, uma senhora velha de casaquinho de malha preto e saia de flores preto-cinza-brancas, uma mamalhuda porta-refegos-ventrais não pensando em Schopenhauer, um casalinho serôdio de cabeças nevadas de guano de albatroz, uma jovem de nádegas inscritas a compasso e tira-linhas, um odre de fato-de-treino com aspecto de ter andado na chanfana e no Johnnie Walker Black Label o sábado todo, uma mulher de canelas encordoadas de varizes grossas como safios, nenhuma ânsia e nenhuma esperança, 10h01m e o MF sem vir, um cangalheiro dando pernadas de compasso como um corpo geómetra, outra mulherzinha pançuda e pequenina como um buda de rosca, uma criança finalmente, a mãe que a vem trazer ao Gira por ser o fim-de-semana quinzenal do pai, as árvores que fazem respirar os arruamentos, algumas varandas apaineladas de vidro para efeito-marquise, a agência de viagens (onde vi entrar a chinesa grande do capítulo 5, 4-6-10) chamada Passe-Partout (nome bem posto, para agência de viagens), um técnico instalador de ar-condicionado com ar de jogador dos Distritais, um sósia do Russell Crowe naquele filme contra as tabaqueiras que ele fez com o Pacino, um inesperado eucalipto, outra vez a jovem do cu a tira-linhas, uns sapatos de camurça embolados de joanetes e este poema que me anda na mona desde ontem à noite:
ROSA DE CÁ
A morosa rosa
amorosa é.
O lacre ela ousa
E ’spinho no pé.
Alva ela orvalha,
toda matinal.
Rosa de Coimbra
e de Portugal.
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