18/07/2008

Uma crónica para a Sojormédia: O Ribatejo, Região de Leiria, Jornal da Bairrada e Jornal do Centro

Recordações e pássaros para o Inverno

Todos os verões colecciono nomes para dizer no Inverno.
A meio do corrente Julho, os escritores Anthony Burgess e Lawrence Ferlinghetti juntaram-se-me já ao rol. Eles e o tão glorioso quão trágico Jaco Pastorius, que muita e muito boa gente considera ainda, quase 21 anos decorridos da sua morte prematura, um dos mais geniais músicos do século XX.
Não o faço por ócio nem por negócio. Faço-o porque não posso evitar fazê-lo. Aprender obras e vidas alheias é adquirir uma memória complementar, que enriquece sobremaneira a corrente precária da existência. Trata-se, naturalmente, de um tesouro simbólico, posto que me não põe o pão na mesa nem me atesta de gasóleo o carro. Mas protege-me no Inverno, quando, à janela vendo o que chove, sinto a companhia destes e doutros nomes do mundo (i)memorial.
Noutros estios, foi-me chegando uma multidão. Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, quis acreditar à força toda em patranhas mediúnico-espirituais. Aquilino Ribeiro deu-se de corpo e alma à detecção e à redacção de faunos, lobos e raposinhas. A Manuel Vásquez Montalbán, falhou o coração no aeroporto de Banguecoque, cidade que romanceou com pássaros tailandeses. Rui Jordão, gazela ponta-de-lança de Benfica, Sporting e Vitória de Setúbal, é hoje pintor de arte e não vai em futebóis. E o senhor Carlos Henrique Silva Oliveira, que integrava a Direcção da Federação Ornitológica Nacional Portuguesa, integra agora a Federação Necrológica Nacional Portuguesa, posto que faleceu na página 51 do JN de terça-feira, 15 de Julho de 2008.
No ocaso da última manhã da primeira e penúltima quinzena do corrente Julho, sou aguardado em casa pela onomástica futura de um Inverno prévio para sempre. Por causa do calor, hei-de cerrar os estores em umbroso subsídio da pedra e das madeiras que me conformam a habitação. Depois de um almoço frio (conservas, feijão-frade, tomate e gasosa espanhola traçando tinto de cooperativa íncola), irei à janela ver o que não chove. Será então que o Inverno me retomará as unhas e os dentes e o resto do corpo e toda a alma. Fá-lo-á munido do aleatório rol do costume – alinhando nomes sem corpo por todas as divisões da casa, quase inquietando a sesta das gatas: os nomes que acima vos deixei e outros que, em baixo, nunca mais me deixarão, como tiveram os pássaros de fazer quanto a Manuel Vásquez Montalbán e ao senhor Carlos Henrique Silva Oliveira.

1 comentário:

ao saber dos dias disse...

Dependendo do gosto é isso: Trata-se, naturalmente, de um tesouro simbólico, posto que me não põe o pão na mesa nem me atesta de gasóleo o carro. Mas protege-me no Inverno [verão], quando, à janela vendo o que [o sol] chove[brilha] , sinto a companhia destes e doutros nomes do mundo (i)memorial.
Sem dúvida vidas que preenchem outras vidas.

Canzoada Assaltante