Viseu, Café Império, fim da manhã de 28 de Julho de 2008
Quanta sombra tivermos sido
em luminosos corações conhecidos,
tanta vida teremos às nossas
acrescentado.
Na boca, o milagre diário da palavra,
rumorosa flor rejuvenescedora
dos dias que a luz bate
em sucessão de delíquios.
Nas mãos dos homens pobres
(todos nós, portanto),
algum retrato reconstrutor
do coração próprio.
Só te peço a vida toda.
A vida toda e que me perdoes
tanto amor por ti,
onde mais me dói.
A biologia tem truques,
um dos quais a poesia.
Vim agora da cidade,
vim para te nascer outra vez.
Sou hoje um pobre homem pobre,
pobre Mãe minha.
Possuo uma lâmina de rio
coalhada de pássaros e versos.
Eu agora possuo isto: assombrosa
e rosa e sombra em prece,
cega a cal das igrejas, negra
a floresta portuguesa da boca.
Onde mora hoje o teu homem,
esse colector de noites acabadas
e frigidíssimos janeiros ásperos?
Onde ele morar, demoraremos
ambos, Mãe. Uma pedra de sal
sob a língua é quanto basta
para supressão das involuntárias
tremuras musculares.
A Mãe e os filhos amámos o homem:
esse pássaro quebrado na cabeça,
esse espelho ao sol branco,
essa dor quando nos telefonaram.
Esta é a minha prece: não
espero ser atendido: das igrejas,
colho tão-só a santidade nenhuma
dos negócios, ofícios do fascismo cristão.
Se até hoje alguma coisa pedi, não
foi o amor, que o tive e tenho
em papéis caligrafados por olhares
de tinta de puríssimo pintor,
ele. Suponho-te (é uma segunda-feira)
em a antiga sala da infância,
a tua infância de novo galgando
áleas de pereiras-de-inverno,
mijando-te talvez a incontinência
da memória mais esfarrapada,
um filho aqui, uma filha ali: à luz
que bate sucessivos lírios, delíquios.
Eu dou-me a licores e a janelas,
falo já sozinho pelas ruas baptizadas
por mortos ilustríssimos e esquecidos,
noutra cidade que nem às filhas conto.
Isto é uma prece.
Lobos urdem rasgaduras de coração,
à noite fico sozinho ante montras,
ouço sons de sob a terra.
É o tempo das moscas, vidros negros
bêbedos de sol patinhando imundícies.
Também é o tempo do amor, o tempo
que os nomes usam dentro do silêncio.
Celebrado sacerdócio da tristeza, longa
umbrosa avenida de faias, uma mulher
de chapéu dando pão-de-leite a um gato,
o assador de frangos fumando à porta.
Amanhã todos os meus ontens
terão sido atendidos, espero.
Dirão talvez: foi outra sombra:
mas um luminoso coração também,
lá onde mais lhe doeu, de alegria
puríssima, o pintor e a mulher dele,
à janela, navegando como a alta rosa
de preces atendedora, sozinha na sala
onde as obras completas de Júlio Dinis
encapadas a vermelho e ouro pela
Livraria Civilização e onde os retratos
invencíveis de teus pobres homens pobres.
em luminosos corações conhecidos,
tanta vida teremos às nossas
acrescentado.
Na boca, o milagre diário da palavra,
rumorosa flor rejuvenescedora
dos dias que a luz bate
em sucessão de delíquios.
Nas mãos dos homens pobres
(todos nós, portanto),
algum retrato reconstrutor
do coração próprio.
Só te peço a vida toda.
A vida toda e que me perdoes
tanto amor por ti,
onde mais me dói.
A biologia tem truques,
um dos quais a poesia.
Vim agora da cidade,
vim para te nascer outra vez.
Sou hoje um pobre homem pobre,
pobre Mãe minha.
Possuo uma lâmina de rio
coalhada de pássaros e versos.
Eu agora possuo isto: assombrosa
e rosa e sombra em prece,
cega a cal das igrejas, negra
a floresta portuguesa da boca.
Onde mora hoje o teu homem,
esse colector de noites acabadas
e frigidíssimos janeiros ásperos?
Onde ele morar, demoraremos
ambos, Mãe. Uma pedra de sal
sob a língua é quanto basta
para supressão das involuntárias
tremuras musculares.
A Mãe e os filhos amámos o homem:
esse pássaro quebrado na cabeça,
esse espelho ao sol branco,
essa dor quando nos telefonaram.
Esta é a minha prece: não
espero ser atendido: das igrejas,
colho tão-só a santidade nenhuma
dos negócios, ofícios do fascismo cristão.
Se até hoje alguma coisa pedi, não
foi o amor, que o tive e tenho
em papéis caligrafados por olhares
de tinta de puríssimo pintor,
ele. Suponho-te (é uma segunda-feira)
em a antiga sala da infância,
a tua infância de novo galgando
áleas de pereiras-de-inverno,
mijando-te talvez a incontinência
da memória mais esfarrapada,
um filho aqui, uma filha ali: à luz
que bate sucessivos lírios, delíquios.
Eu dou-me a licores e a janelas,
falo já sozinho pelas ruas baptizadas
por mortos ilustríssimos e esquecidos,
noutra cidade que nem às filhas conto.
Isto é uma prece.
Lobos urdem rasgaduras de coração,
à noite fico sozinho ante montras,
ouço sons de sob a terra.
É o tempo das moscas, vidros negros
bêbedos de sol patinhando imundícies.
Também é o tempo do amor, o tempo
que os nomes usam dentro do silêncio.
Celebrado sacerdócio da tristeza, longa
umbrosa avenida de faias, uma mulher
de chapéu dando pão-de-leite a um gato,
o assador de frangos fumando à porta.
Amanhã todos os meus ontens
terão sido atendidos, espero.
Dirão talvez: foi outra sombra:
mas um luminoso coração também,
lá onde mais lhe doeu, de alegria
puríssima, o pintor e a mulher dele,
à janela, navegando como a alta rosa
de preces atendedora, sozinha na sala
onde as obras completas de Júlio Dinis
encapadas a vermelho e ouro pela
Livraria Civilização e onde os retratos
invencíveis de teus pobres homens pobres.
Sem comentários:
Enviar um comentário