26/07/2008

Alguém Foi



Viseu, casa, manhã de 26 de Julho de 2008



a vocação
de transformar o tempo em rostos

Carlos de Oliveira,
Tempo Variável, III, ENTRE DUAS MEMÓRIAS


Rostos, tudo o que se pode, é sonhá-los para que existam,
uns; para que resistam, também, outros,
outros e uns nimbados do lunar estanho das molduras.
Os retratos, tudo o que se pode, é aceitá-los: janelas a que os
decapitados, os sem-corpo, esmolam a memória e a persistência dos sonhos.

Temos de confiar aos mortos toda a caleidoscopia: é
de uma justiça elementar resignarmo-nos
a que os rostos deles sigam sendo aviadores
a bordo de mínimos aviões de vidros coloridos,
orvalhados de olhos que pensam ainda
amanhã.

Eu confio toda a caleidoscopia aos rostos: existo
ainda neles, inútil me foi encerrá-los
em gavetas, as mesmas, afinal, em que guardar
os papéis escritos como apelos de arrendamento
a janelas
de casas sem-corpo.

Já houve tantos rostos e nós só com dois ou três ou
quatro mortos
para passar a vida.
Nós com animais em casa para que as palavras
dos mortos voltem a ser
os sons do início.

E tudo o que se pode é inicial para sempre,
na cama, do lado de cá da janela,
nós já retratos, já estanhados, coloridos e mínimos já,
voando como papéis escritos,
alguém deixou a janela aberta, não
fui eu.

2 comentários:

Anónimo disse...

tens aqui três versos que são um livro inteiro de poesia.

lupuscanissignatus disse...

planam

sobre

as nuvens

da memória

Canzoada Assaltante