A civilização é o berço excelentíssimo das mais refinadas selvajarias. A nossa (pseudo-cristã e deveras ocidental) não escapa, antes a confirma, à regra.
O descalabro ético-moral da globalização e o mate-se-quem-puder da liberalização instalaram-se-nos sem bilhete de retorno no primeiro dia-a-dia do resto das nossas vidas. Uma primeira evidência salta à vista (de quem quer ver): o que antes era Povo, é hoje uma tresmalhada mancha de rebanhos apascentadores de lobos “globais” e “liberais”. Vale-nos que Agosto está à porta, se não para nossa salvação, ao menos para nossa anestesia.
No Kentucky, não sei como fazem os pobres. Na Guatemala, tenho uma ideia. Mas por cá, de Paranhos da Beira a S. Brás de Alportel, sei a anedota de cor: a anestesia fumega de sardinhas esbraseadas em meios bidões de adro de igreja; estralejam no céu de azulejo as flatulências fulminantes e incendiárias do foguetório para o santinho; os emigras passam quinze dias de chinelos a ralhar em avec-cependantês com os netos e outros quinze a dizer mal dos ucranianos; os bairros “sociais” ladram toda a noite “hip-hops” enraizadíssimos na “cultura” étnica e no deus-me-livre de algum dia ter de trabalhar sem ser aos tiros; em mangas de camisa, os deputados descem às berças para lautas almoçaradas com a rapaziada das juntas e a frangalhada das “jotas”.
Quando Setembro retoma a escadaria descendente do Outono, a ressaca é geral e linda: o senhor padre engordou uns quilos, o chefe da junta comprou a si mesmo mais umas manilhas, os “rónáldos” do futebol distrital pastam a erva sintética da promessa eleitoral e as mal-casadas preparam-se para o despedimento colectivo da fábrica dos têxteis, estrutura produtiva que também tinha bandeiras nacionais à janela.
Eu não gosto de Agosto. Nunca gostei. Deve ser porque o único Kentucky com que me dei bem tenha sido aquela marca de mata-ratos que, nos tempos em que havia Povo, era o tabaco do povo.
2 comentários:
"Quando Setembro retoma a escadaria descendente do Outono"
enfim, que ando eu a fazer?...
Pior que isso são a praias de subúrbio à beira mar.
Os bailaricos de bairro de pescadores, com um one-man-show a cantar músicas do quim barreiros.
E mesmo assim há uma alegria violenta e ingénua...
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