18/07/2008

Dísticos para Fados, para Filmes e para demais Florestações




Fotografia: © Brassaï (pseudonym of Gyula Halász), House of Illusion, from Paris by Night, 1933
Texto: Esplanada do Café Mundial, noite de 17 de Julho de 2008



Não levareis nem a mal este homem
nem este homem ao mal.

Não tem mal algum que ele saia sozinho na noite
e de noite confira quanto pode o dia:

por exemplo, pode fundir as flores
a bibliotecas: a páginas tantas, tantas

folhas escritas nas árvores pelos cantores
pássaros gráficos ao vento recordado,

livroárvores que desengelham badanas de sombra,
a sombra que quando toda é a noite.

Que mal assacar deveras a este homem
atento às janelas amarelas dos outros,

aos filhos dos outros algaraviando o perfume
invencível da infância descuidada de florestas

e de bibliotecas? Nenhum mal.
Nem mal algum à verdade dos pássaros

escritores, que, se cantam, o cantam
por cio ou predação, dá o mesmo.

Nenhuma cidade será outra para este homem
sem mal: que nenhuma outra é

deveras outra, quando se é um homem só
ou tão-só um homem. Aqui uma farmácia

igual a todas, um pouco mais um bar,
uma tipografia, uma churrasqueira e

um polícia detido por tédio a meio da carreira. A Lua,
cheia de mal algum, urde sua baba de prata,

da sacerdotal sombra é este candeeiro
o acólito magro e pernalta, putas há

que avenidam seus hálitos a alho, suas
conas murchas, seus roedores íntimos agravos.

Que mal tem nem sábado seja? Outro virá
mesmo: um sábado, um homem sá-

bado-só. Quebrado pela espinha, um jornal
esfarela-se como um pólen de borboleta: mal

não tem que as palavras e as imagens
retornem ao lixo de que provieram.

Nada conta que, tal folha de árvore,
esta de jornal pagine a par a segunda

mão dos carros e na ímpar a ímpar
necrologia parente dadontendamanhã.

Mal nenhum e nenhum bem. Pilritam
os lembrados pássaros cristalinas letrinhas:

c-i-o, p-r-e-d-a-ç-ã-o, h-o-m-e-m.
Pedras portuguesas tossem lascas chãs:

vielas que descem gatos úricos e reumatismos
felinos, joelho velho, coelho vermelho.

A tinta azul de uns olhos, escurecidos agora
na polução nocturna, a mão no bolso roto.

Agora o estrabismo vertical dos semáforos,
faróis sem barcos para mar nenhum.

Nenhum mal vos ocorrerá deste homem,
que mal não quer nem leva senão o de

condenado às galés do futuro descendente
aliás comum à demais gente.

Açucenas, ralos e cegarregas adoçam
rostos de rápidos estios: todos queimados

em a água de sucedentes invernos,
estendia o estanho das cheias seus afogados

de moldura pró-viúvos lares oblíquos
e recordados, enquanto caminha.

Outras vezes, deste homem a boca toda
músculo, másculo todo o morder

em quem, quem e em que cidade?
É verão ’inda, é já outono:

e nem a bênção do sono o acontece
fundo dentro em algum lar de gente:

que a vida confirma a identidade,
na cidade, do idêntico diferente.

Biblioteca afinal também ela, a portuguesa
cidade: tão dada a livros esquecidos

mas repetidos no homem só que só sai,
sábado ou não, a ler pássaros que não

há no papel muito preto das janelas
amarelas. Nisto, ocorre um crime:

tinònis azulam algum bairro social
(mas mal algum, qual quê, algum

mal num saquito de erva cotado a navalhas, num
fungo de pó branco, numa altercação cigana?

Nenhum mal, mal algum.) Corta-se
à direita – ruínas de um solar,

aliás em ruínas como todo
o agregado familiar.

Palmeiras anacronizam tunísias
de importação, um cão de ninguém

ladra nem por mal nem por bem.
A grande Lua dá-se, hóstia, ao incréu

palato do impenitente como à demais
gente. Pousa, final, o homem seus ossos

mesmos em uma bossa de terra mole
e descansa. Amanhã será outro

ontem. Entretanto, da cidade já ida
(luzes poucas laranjam o pomar de pedra),

uma espécie de beleza alvora-se d’anil.
Anil, não mal, mal algum, bem nenhum.

Vestem já jaqueta de escritor os passaritos,
ondulalbam as bibliotecas já, a páginas tantas.

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Canzoada Assaltante