Fotografia: © Brassaï (pseudonym of Gyula Halász), House of Illusion, from Paris by Night, 1933
Texto: Esplanada do Café Mundial, noite de 17 de Julho de 2008
nem este homem ao mal.
Não tem mal algum que ele saia sozinho na noite
e de noite confira quanto pode o dia:
por exemplo, pode fundir as flores
a bibliotecas: a páginas tantas, tantas
folhas escritas nas árvores pelos cantores
pássaros gráficos ao vento recordado,
livroárvores que desengelham badanas de sombra,
a sombra que quando toda é a noite.
Que mal assacar deveras a este homem
atento às janelas amarelas dos outros,
aos filhos dos outros algaraviando o perfume
invencível da infância descuidada de florestas
e de bibliotecas? Nenhum mal.
Nem mal algum à verdade dos pássaros
escritores, que, se cantam, o cantam
por cio ou predação, dá o mesmo.
Nenhuma cidade será outra para este homem
sem mal: que nenhuma outra é
deveras outra, quando se é um homem só
ou tão-só um homem. Aqui uma farmácia
igual a todas, um pouco mais um bar,
uma tipografia, uma churrasqueira e
um polícia detido por tédio a meio da carreira. A Lua,
cheia de mal algum, urde sua baba de prata,
da sacerdotal sombra é este candeeiro
o acólito magro e pernalta, putas há
que avenidam seus hálitos a alho, suas
conas murchas, seus roedores íntimos agravos.
Que mal tem nem sábado seja? Outro virá
mesmo: um sábado, um homem sá-
bado-só. Quebrado pela espinha, um jornal
esfarela-se como um pólen de borboleta: mal
não tem que as palavras e as imagens
retornem ao lixo de que provieram.
Nada conta que, tal folha de árvore,
esta de jornal pagine a par a segunda
mão dos carros e na ímpar a ímpar
necrologia parente dadontendamanhã.
Mal nenhum e nenhum bem. Pilritam
os lembrados pássaros cristalinas letrinhas:
c-i-o, p-r-e-d-a-ç-ã-o, h-o-m-e-m.
Pedras portuguesas tossem lascas chãs:
vielas que descem gatos úricos e reumatismos
felinos, joelho velho, coelho vermelho.
A tinta azul de uns olhos, escurecidos agora
na polução nocturna, a mão no bolso roto.
Agora o estrabismo vertical dos semáforos,
faróis sem barcos para mar nenhum.
Nenhum mal vos ocorrerá deste homem,
que mal não quer nem leva senão o de
condenado às galés do futuro descendente
aliás comum à demais gente.
Açucenas, ralos e cegarregas adoçam
rostos de rápidos estios: todos queimados
em a água de sucedentes invernos,
estendia o estanho das cheias seus afogados
de moldura pró-viúvos lares oblíquos
e recordados, enquanto caminha.
Outras vezes, deste homem a boca toda
músculo, másculo todo o morder
em quem, quem e em que cidade?
É verão ’inda, é já outono:
e nem a bênção do sono o acontece
fundo dentro em algum lar de gente:
que a vida confirma a identidade,
na cidade, do idêntico diferente.
Biblioteca afinal também ela, a portuguesa
cidade: tão dada a livros esquecidos
mas repetidos no homem só que só sai,
sábado ou não, a ler pássaros que não
há no papel muito preto das janelas
amarelas. Nisto, ocorre um crime:
tinònis azulam algum bairro social
(mas mal algum, qual quê, algum
mal num saquito de erva cotado a navalhas, num
fungo de pó branco, numa altercação cigana?
Nenhum mal, mal algum.) Corta-se
à direita – ruínas de um solar,
aliás em ruínas como todo
o agregado familiar.
Palmeiras anacronizam tunísias
de importação, um cão de ninguém
ladra nem por mal nem por bem.
A grande Lua dá-se, hóstia, ao incréu
palato do impenitente como à demais
gente. Pousa, final, o homem seus ossos
mesmos em uma bossa de terra mole
e descansa. Amanhã será outro
ontem. Entretanto, da cidade já ida
(luzes poucas laranjam o pomar de pedra),
uma espécie de beleza alvora-se d’anil.
Anil, não mal, mal algum, bem nenhum.
Vestem já jaqueta de escritor os passaritos,
ondulalbam as bibliotecas já, a páginas tantas.
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