© DA.
843
Segunda-feira,
29 de Novembro de 2021
De boca queimada de más palavras,
rompi rua afora fustigado
de mal servido ter sido por cabras
d’uma tal repartição que é do Estado.
Mitiguei o ardor d’afogadilho
sem às pedras contarem as passadas.
Um homem desavindo é um sarilho
queimando a boca de vis, más palavras.
Serotonina (nina-nina-nina-nina)
voltou a irrigar as minhas fontes.
Espraiaram-se-me então horizontes
que um eu a si mesmo quer & destina.
De manhã, ligou-me a minha Primeira:
acabou de nota alta o Mestrado.
Por conseguinte, é manhã cimeira
a deste poeta Vosso criado.
De boca doce apalavr(e)adora
redimo afinal estas estâncias:
saí, é verdade, de mente irada
d’uma tal repartição – circunstâncias
que esmiuçar não vale o tempo gasto.
Vejo passar camisolas vermelhas:
são de pura-lã-virgem de ovelhas
que felizes balindo vão ao pasto.
844
Versei outro dia à Vossa paciência certa velada confissão relativa ao (meu) Verão/1999. Descuidai-a, Vo-lo peço: não atrasando, também nada adianta tal prosa – pois que não chega a rosa.
Prefiro prosodiar-Vos hoje outras linhas, nascidas estas da glória (não menos) do pré-Inverno. Estamos a 29 de Novembro. O frio não é muito, nem a caloraça do Estio-Global hoje funciona. Dei de mim sob um céu humanamente metalúrgico, com chispas de mercúrio, lancetas de gelo na erva não-semeada.
À saída da repartição que versejei (& maldisse) no 843, pus-me mui depressa a amar de volta a Cidade que me nasceu. Fantasmas me A assomam incessantes: o Zé Peres da Ourivesaria Chieira; o Armandinho da esmola hirsuta; o António Polícia dos Mil Cães; o Tónio d’Ausenda falando do Sporting com o Tó Conceição; o doutor Carvalho, pai do Fernando; o Guilherme Pais & o João Damasceno & o José João Cardoso & o João Bebé; o meu Irmão Jorge & o meu Irmão Rui; o Carlitos Pipi & o Taxeira; o Zé da Gaita & o Maló; o Daniel Tatonas & a Rainha Santa até.
Verso este dia: ou prolifero em recato.
845
Lá onde durmo & o Gato estende império,
volumes conservo da Grécia Antiga:
& é tal conservação minha amiga,
pois tais leituras me levam a sério.
Declino em horas mansas as tragédias
desta tão nossa & humana condição,
falas que valem outrossim comédias
& que chamam queijo ao queijo & pão ao pão.
Cá onde escrevo aturdidamente,
penso no espelho que reflicta espelho:
confesso escrever sobre o joelho
– que afinal é parte de ser gente.
Sou órfão, mando a sós nas minhas horas.
Raspei ontem o queixo, precavido:
com atavio, fiz-me hoje saído
a ruas calendárias por desoras.
Rapariga (é seu vestido tão verde!)
verde é de sua idade à janela:
& eu venho só aqui escrever de
a sua continência quieta & bela.
Já nosso Pai lá está & a cá não volta,
já a Mãe se demora fresca & terna.
Já muito cão da alma anda à solta,
veraneia o morto & o vivo inverna.
Uma demão de cal: irmão extinto.
Mármore gravurado, duas datas.
Toupeiras, vermes & as demais ratas
infestam cruzes santas do recinto.
Lá onde o meu Gato estende império,
lá onde sonho coisas tão falíveis,
aí é que me não levo a sério,
mestre de coisas afinal possíveis.
Um de barbas (que é neurodemente)
atravessa a do Brasil direito à GALP.
Herdeiro da viúva de um gerente,
tem cachimbo-da-paz & até escalpe.
Já na Rua do Doutor Santos Rocha,
em ’82 (ano latinório)
lá do Senhor dos Passos (roxa!, roxa!)
vi passagem do santo incensório.
(A minha mocidade é versejável
desde que Filhas tenho & sou amável.)
Procedo à passagem imediata
do verso de que este papel trata.
Assim é: de que este papel-treta,
este somatório de inconsequências.
Este enfim estudante de ciências
que não vale nem punho nem punheta:
Moi-même, ex-professor & ex-tudo
o que certa família anelava :
como se fôra minha alma escrava
do par de mula & burro mais sisudo.
Sobre mortos, firmeza garantida
corre o chão que foi deles transitório.
Eu ando & sou & faço de formiga,
sou tão-só o-dos-versos merencório.
As tascas fazem de confessionários:
tenho vindo beber a sacristias.
Prefiro às horas quentes as mais frias
orações sem Jesus nem mais rosários.
Nunca bati à porta de editoras
que a umbigos cobrassem o umbigo:
penso que as linhas sérias-sedutoras
não dependem de conheç’-o’-amigo.
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