18/12/2021

PARNADA IDEMUNO - 851

© DA.


851

Segunda-feira,
6 de Dezembro de 2021

I

Afinal sereno amor consagro 
à substantiva vida ramerrónica.
Mormente sou de chapar a tónica
a estilete de vocábulo agudo & magro.

Doidejo sem humano malefício alheio
por entre bípede arvoredo sem capuchinhos
nem lobos maus. Já o grau dos vinhos,
esse sim conta a total & de permeio.

Sou alegremente infeliz como toda a gente.
Frequento salões só de um criado poeirento.
Vezes há em que nem sei como me aguento,
assim estacando em lentidão & de repente.

A devoluta infância não tem de si retorno.
Envelhecer tem de si rijezas de corno.
Fétidos miasmas de outrora doces situações
infestam enxúndias manhãs do colete aos calções.

Uivantes longes-luzes de ambulâncias
malinquietam o esplanado óciopoeta.
São como males-de-família: useira peta
com que nos mentimos vilezas & distâncias.

Trovo pouco impante esta poesia
que nem é tropical nem estufa-fria.
E a mais que vier há-de ser rasura
de quanta não menti à literatura.

II

O amor que lhe tenho, senhores, não pode
dar volta de chave a casa devoluta.
E se acaso falho, quem de aí me acode?
E se quem me fala nem sequer me escuta?

Não descuido por enquanto o estar vivo,
que ele há ocupações bem piorzinhas.
Não gosto é de suar estopinhas
nem de ama sem amor ser cativo.

Que lhe tenho a quem, senhores, a quem?
Não é a quem mas a que, isso sim, senhores:
à vida o mor das vezes malvivida, Mãe!
Ó Pai, à vida sem fraldas nem pundonores!

Sei hoje contornar espécies malextintas,
aviar necrologias, topar o melhor bacalhau.
Nunca fui só Português de meias-tintas:
isso é que não, e isso é que sim seria mau.

Abateu-se sobre Coimbra um céu de cinzas
de águas todas desfeitas em chã poalha.
Gosto d’invernias! O céu a quem o trabalha!
Se sou nisto vero? Sou-o sim, mas

nem toda a gente é ré do mesmo mocho.
Boníssimo homem, meu Pai. De uma perna coxo,
purgou sem Deus nem maior literatura
um amor sem remédio por a Pintura.

III

Estou sentado em a minha orfandade
como quem foi ali-ali-sem-promessa-de-voltar.
Dou voltas de peão por esta mesma Cidade
que Portugal é todo, assim por modo de falar.

Poeticamente, tenho tido poucas auditorias:
mas eticamente, sofri já muitas julgadorias.
Conheço muitos aveiros, viseus & leirias:
mas o mais nem é autotropicai’stufas’frias.

Estou alapado em a minha mediocridade,
que a idade já não é sã-juvenil.
Peregrino voltitas p’la Cidade.
E morreu o Tó-Zé de Trouxemil.

Merdeticamente, tenho ido por muitas vias:
mormente calado ante idiotas.
Juventudes partidárias (vulgo jotas)
são prolepses de baba bolçada a pias.

Cresce a erva sob o carro abandonado
na rua que dá face a um baldio.
Foi já novo & bebé tal Renault Clio,
agora está ali morto & de lado.

E o Thierry Le Luron da velha França,
essa que já não é farol-d’Europa?
Art.º 16, não pode tropa:
a vida é muito brava, não é mansa.

IV

Tenho sofrido atenção ao que se passa em Angola.
O Sudão também me interessa, mas é mais calorífero.
Preto ou menos branco, o humano é mortífero:
não lida bem c’a vida, bate mal da tola.

E rezar sem ler? E ser de Coração de còr?
E perseguir a branca núbil só porque sim?
E ter um jesus-ai-de-mim semeado no jardim?
E ser anafórico? E eufórico? E melhor?

E falar com Margarida? E ser ultra sem suor?
E ser de uma música tocada p’ra ninguém?
E nunca, à Língua, tê-la tornado melhor?
E ser atento a sós sem Pai nem Mãe?

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Canzoada Assaltante