12/12/2021

PARNADA IDEMUNO - 846 (começa Dezembro)



846

Quarta-feira,
1 de Dezembro de 2021

    Hoje, Feriado da Restauração, corre um dia meteorológico como tanto gosto: poalha-d’água cor-de-mercúrio, caloraça nenhuma, humidade de fazer espirrar o arvoredo, jornada cor-de-lápis Staedtler-Noris-HB2. A minha prima Candita completa 57 anos de nascida.
    Alteada a colina, a álea de retaguarda do Cemitério da Conchada apresenta-me seus mortos às arrecuas: tenho ali inumado um Amigo sem outro retorno do que esta rememoração.
    Água no chão ladrilhado da Varanda do Mondego. Pouquíssima gente. Um homem passeado por seu caniche autista. Um bebedor de vinho-do-porto. Alguém que veio ao pão. E USAmericanos chegando à Lua à custa do nazi-reciclado Von Braun.
    Defenestrámos o Miguel de Vasconcelos, reaportuguesámo-nos, isto nosso com os Espanhóis é mais irmãos-hermanos-choupanas-à-parte.
    Antes de sair, muni-me de um volume do velho José Gomes Ferreira – O Irreal Quotidiano, de 1976. O meu exemplar, adquiri-o em Junho de 1979, quinze anos feitos havia pouco de nascido. Releio essas prosas de um poeta engraçado, patusco, não poucas vezes profundo até. O meu Irmão José Daniel conversou uma vez com ele. Destes dois Josés, um está morto há 36 anos, outro está muito doente num Lar de terminações-em-stand-by.
    Começa o último mês do ano convencionado como 2021-d-C. Foi (como todos, agora que envelheço) assaz célere. Há reagravamento da pandemia-viral-made-in-China. Enxurradas de migrantes terceiro-mundistas por tudo quanto é sítio mais ou menos civilizado. Nada que afecte, de Coimbra, em Coimbra, a malta onomástico-numerada-ao-talhão da Conchada.
    José Gomes Ferreira consulou-nos (sem gralha) na Noruega. Teve um filho preso pelo Estado SalazarNovo. Escreveu aquele poema-descoberta que se fecha (abre) assim: “Os pássaros quando morrem / caem no céu.”. É literariamente figura muito importante no meu crescimento literário. Digo o mesmo de Soeiro Pereira Gomes, não menos. E de Carlos de Oliveira. E de Maria Alberta Menéres (noutro plano). E de John Steinbeck. Nem toda a adolescência é febre esquizóide-hormonal.
    Mais isto: em qualquer regresso meu a qualquer lado, não se dá nem propriamente regresso, nem propriamente alhures. Tenho sabido isolar-me (ou insular-me) com alguma eficácia. Pouca gente há (ou hei) a quem se passe uma declaração, emita uma certidão, diga um segredo, faça uma confissão, alinhave um verso. Miro as quietas arrecuas do Cemitério da Conchada (mas o grande Vitorino Nemésio está nos Olivais), assimilo a poalha-aquática do ar do 1.º-de-Dezembro mais recente da cristandade portuguesa, sossego como um justo de IRS-em-dia. E falo contigo – sem que saibas que(m) nem como te nomeio. (Escrever-te o nome, seria feio.)
    Consulto o relógio, são as 14h11m. Uma pomba ainda moça veio palmilhar migalhas que a chuva desajuntou: miséria humana às aves estendida.
    Estendida: rima perfeita para, enquanto-curso-&-não-Conchada, vida.


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Canzoada Assaltante