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Sábado,
4 de Dezembro de 2021
Pode o dia ser árabe; o mês, romano; e cristão o ano: 4.XII.2021 d.C.: mas o corrente Sábado é ateu, pois que meu.
Saí, a meio-gás funciona a Cidade, não registei atropelamentos nem escândalos afins. Pressurosa, aformigada, a espécie faz de sacos-víveres pela vida. Nem patranhas-de-natal, nem comédias-de-fura-riso: é utopia designarmo-nos, a nós mesmos & enquanto género, human’irmandade. Nenhuns irmãos, humanismo mui pouco.
Comboio para norte. Ambulância de emergência desactivada. Chão molhado (memória pluvial). Geral descaminho de quimeras: tanto as do ouro quanto as da lata.
Em mostruário vítreo, peças de fruta, taças de doce, a coxa esquecida de um frango mutilado. Demoro-me aqui pouco, este é um comércio demasiado triste até para mim, que gosto de aferventar tristuras. Faço por suavizar a minha recrudescente misantropia: escolho-me outro assento, um que favoreça distância higiénica em relação à norma-pimba da modernidade. Leio Aguiar-e-Silva-exegeta-de-Camões: estou bem, portanto.
O Diário de Coimbra traz a morte do Tó-Zé (António José Figueiredo Pereira) de Trouxemil, cremado hoje em Taveiro. Tinha 59 anos. Dormi há pouco em casa dele, em noite de que trouxe algumas linhas. Que caraças.
A sensação é esquisita (cf. parágrafo anterior). O céu nocturno, muito limpo, mostra menos luzes do que as hediondas árvores-natalícias. Não esmolaria hoje comediantes. O Benfica perdeu ontem em casa com o Sporting. Parece que a realidade não cessa de estender seus liames, suas lianas, seus cipós.
Nem uma palavra tenho gastado com surdos-de-vista.
Em tal aspecto, é irrepreensível o meu comportamento.
Não sou já o cão-pavloviano de pulga malquista
que envergonha o clã do familiar acampamento.
Não mais pagãs ciganadas de ius-sanguinis, comigo não.
(O Tó-Zé não vem p’lo Natal, retirai Vós dele talher.)
(O Rui também não vem, também ninguém o quer.)
(Tanto-faz-falar-de-amigo-quanto-d’-Irmão.)
Pode o dia ser árabe
Etc.
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