20/12/2021

PARNADA IDEMUNO - 853

© Garry Winogrand



853

Quinta-feira,
9 de Dezembro de 2021

    Felizmente infinitos, os estudos (mormente literários) a que dedico o melhor do meu tempo têm sido segura escora dos muros que rodeiam o quintalório da minha vida. (Digo infinitos os assuntos em estudo, não o estudante…)
    Pecam decerto por descontínuas e avulsas e impublicáveis toda a caterva de papéis & toda a panóplia de lápis que tenho sacrificado a tal obstinação. Não faz mal.
    Este início de tarde, de glauca luminosidade em charcos espelhada, atrevi-me um pouco a ir congeminando especulações sobre esta & aqueloutra obras literárias portuguesas. Considerei a singularidade absoluta de gente-escriba como Cesário Verde, na poesia, & Raul Brandão, na prosa. Fulminante & estrépita como rastilhos chineses, uma revoada de pombas convocou-me a distracção prazenteira. Desconheço quantos anos (se alguns) poderei ainda dispor de meu existir para estas interacções: Cesário agora, já a seguir catorze pombas, etc.
    Na precedente manhã, consegui conciliar um fim de leitura ( a de O Irreal Quotidiano, de José Gomes Ferreira) com outro tipo de currículo a que venho dando horas no intuito afinal puro & afinal simples de ganhar uns euros honestos. Procedi depois há manobras de cariz higiénico, têxtil, alimentício & épico (apanhar o autocarro, esta derradeira).
    Filologia, latas de conservas, hermenêutica & remarcação da vacina-antiCOVID-19, não se me opõem: justapõem-se antes sim.
    É ora já madura a tal (esta) tarde. Espécie de incerteza antecipada me tem vindo: a de, por este ser diário/diarístico, que livro apor, por seguinte, ao Parnada Idemuno. É coisa (em) que não penso de (uma) vez, antes sendo matéria de lapsos/relâmpagos mentais. Entretenho nisto uma boa porção dos meus subquotidianos (chamo-lhes assim por me não parecer mau chamamento). Sem a mim mesmo querer exautorar ou infirmar-me, resolvo o mor das vezes em verso certas flutuações que, em prosa dirimida & dirigida, mais labor me custariam - é que, pelo verso, posso ser lacónico sem parecer (tão) inconsistente. Vejamos, pois, se demonstrá-lo posso ainda, dadas que são já as 15h 48m da Quinta-Feira-9-de-Dezembro-de-2021:

Maná de em-moda-puta-masculina
infesta, das artes patrocinadas,
escol de coisas a-cu-subsidiadas,
pois tal a bem-pensância determina.

Meu entretenimento é diverso,
converso com fantasmas d’outra espécie.
Sou frívolo mas d’outra superfície,
’té hoje ’inda não verguei o torso.

Mil desencontros & mil desconversas
tracei, qual toda a gente, em minha vida.
Não por isto esta está perdida,
sem mansas as falinhas ou conversas.

O mais é que muito me tem morrido
gente a cuja fala e eu chegava
em espécie de alegria de nascido
no intuito de falar com quem falava.

Sem retorno, encaneço: sem retorno.
Nascer nos tira bilhete-só-d’-ida.
Ora dizei-me não-desabsurda a vida!
Dizei-ma valendo a ponta d’um corno!

Velho-moço-Rimbaud-o-Africano
+ o-da-bigamia-Victor-Hugo:
& as tintas Parker/Pelicano
& ainda a morte vir por anti-jugo.

Calada galeria da Conchada
(que em Coimbra vale por cemitério)
a V.ª paz gerreia tudo & nada
– & torna irrisório o que era sério.

Já li O Irreal Quotidiano.
E de Joyce o Ulysses li também.
Li O Mal que Vem do Velho Oceano,
que até agora foi escrito por ninguém.

Se p’lo Sena, fiel camoniano,
eu enveredar coisas que não distinga?
Então não é do Jorge, é da pinga
com que embebo hora, dia & ano.

Fidelidade a estudos literários
& certo caninismo ante gatos:
de tudo tenho um pouco, que sou vários
como é heteronímia de ratos.

As pessoas que são cá da minha aldeia
andam todas literais, sim, aos papéis.
Nem todas desistentes (ou daniéis…),
só sei que o mor não faz a coisa por meia.

Não quero diminuir Natália Correia
nem subestimar o Ary dos Santos.
Contexto é contexto, nem faz ideia
o que passaram poucos entre tantos.

Tento mesclar, voltando à origem,
renegociar falas (…)

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Canzoada Assaltante