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Leiria, entardenoitecer de
29/IV/2013, segunda-feira
MUNIFICÊNCIA, A INOMINÁVEL
I
–
Saiba o senhor que chegando Abril, depois
Maio, isto do mundo me parece tudo, digamos, uma munificência, quase um motivo
cada coisa para euforia. –
disse-me
o cavalheiro com que eu sempre apenas troquei os bons-dias no Café da Rita.
Sorri-lhe à munificência em jeito de, digamos, aquiescência.
II
Amanhece
quando as coisas começam a deixar de ser vidro, quando voltam a ser porosas,
destrutíveis.
Anoitece
quando a hialurgia retorna a reino –e por todo o lado a magia é finalmente
humana, isto é, finalmente entregue aos bichos.
III
Aos
bichos
da
sede.
IV
Sábado
passado, pelo entardenoitecer, eu fumava à varanda um cigarro cujo fumo, como
eu, esperava qualquer coisa inominável. Talvez fosse música o que cigarro e eu
esperávamos. A música veio. Veio merendar comigo. Era a primeira das minhas
filhas.
V
Agora
toco os objectos com mais simplicidade – como se eles fossem um piano que os
anos tivessem tornado humilde, acessível, cordato quase até. A mesa do Café,
por exemplo, que é de alumínio reforçado da cor de certas invernias pintadas
nos manuais da Primária para ilustração das estações do ano. Outro exemplo, o caderno,
que me faz a companhia glauca dos espelhos de papel – e em que o meu rosto pode
exercer a idade que quiser, pois que querer é fingir que se quer. E se crê,
como eu não creio, nunca cri.
VI
Foi-se
embora o Senhor Munificência.
Já
a Rita procede à limpeza do estabelecimento.
Sou
o último cliente.
As vezes na vida que o tenho sido, c'um caraças.
As vezes na vida que o tenho sido, c'um caraças.
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