27/04/2013

RIO-FLÚX - 12 (I) e 11 (I e II)


12

Leiria, 27/IV/2013, sábado

DIADELO

I

Posso ter quase tudo. Basta não querer. Na manhã que sucede a uma véspera apagada, por exemplo. É agora, a luz é total como o céu. Céu é não haver detalhes: é  tudo de uma só vez a uma só voz. E em azul, o que sempre é bónus. Há horas que espero as pombas. O arroz que trago na algibeira dextra ainda as não mereceu. Eu sofreria mor placidez se elas viessem agora, permitindo-me escreviver sem pen(s)ar tanto nelas. Passando à fase seguinte do sonho. Do sonho – ou da espiral. Não tenho grande coisa porque me encontro em estado de querer. Quero uma ou duas pombas no passeio em frente ao Café da Rita, dar-lhe(s) pão e arroz, integrar a cadeia alimentar, o ecossistema, o formigueiro retributivo. Para adiar (ou aliviar) essa querença, trabalhei um pouco já no Caderno Verde, objecto celulósico em que inscrevo palavras que ou me hão-de ser úteis ou acabarão por morrer-me. ECÚLEO. CONSCRITO. DIADELO. FLAGÍCIO. HIPERDULIA. INÓPIA. ORNATO. A haver problema, o problema está em as palavras precisarem de um corpo para ser. Um corpo que as seja. Sem corpo, as pessoas são só palavras. E sem palavras as pessoas são só a falta do não-querer, são só a impotência.

11

Leiria, 26/IV/2013, sexta-feira

FORMIGUEIRO

I

O mistério da vida da formiga. Não parece individual, tal existência. Parece que o único sentido é o formigueiro. Não é assim, em Poesia. 

II

O Mandador dos Céus procedeu hoje ao encerramento dos ditos. Manhã e tarde fechadas como punhos não solidários. A sexta-feira rodou às cegas como um boi perdido numa lezíria só de cinza.

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Canzoada Assaltante