Leiria, sobre o Lis, 21 de Abril de 2013
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Leiria, 24/IV/2013, quarta-feira
COLÍRIO
I
Voltaram
as jornadas quentes. Dizer jornadas é dizer fornadas. Por quanto é vista, dá-se
da flora a pujança, a furiosa alegria da cor ao ar. Tudo propicia o quase
entendimento do para-quê de se ter nascido. A terra bebe quanta água pode,
retribuindo em alimento e oxigénio. Os animais aderem à contracena da contraluz
povoando o fresco das sombras, saciados de açúcar solar. Isto da vida: esta
orquestra que ela é em fervor. Bailo devagar a seu compasso. Isto é: respiro
com os gestos. A harmonia é legível. E o de Leiria é o mais bonito dos castelos
de Portugal, peço perdão mas é. Quando a casa voltarmos, o meu Irmão Fernando e
eu hemos de avançar beira-Lis. Pais jovens com suas crias juvenis veremos que
auferem o licor etéreo do pré-Verão. Como feridas boas e brancas, nuvens
suspendem o azul muito puro. Há toda e mais alguma razões para crer, seja no
que for, sem recorrer à esperança. A esperança é a usança da espera – a evitar,
portanto. Mais tarde, quando o crepúsculo tomar todos e cada um (um por um, sem
falha nem remissão), a hora será de esvaimento – como é de lei & Natura.
II
Recordo
certo instante vespertino, voltava eu de Aveiro ou de Oliveira de Azeméis, não
estou certo de onde já.
Viajava
sozinho no meu carro.
(Sim,
já tive um carro.)
Dei
por mim ante um vale maravilhoso.
O
Sol parecia subi-lo.
A
vegetação era viva de animais minuciosos.
Detive
a marcha, suspenso de tanta maravilha.
Recordo
isso agora, não sei por nem para quê, enquanto com o Fernando espero que o
chamem para a consulta de Oftalmologia.
III
Cavaleiros
frúem a fresca álea a manso trote.
Os
alazões são de uma nobreza maviosa.
Em
V, duas encostas da serra dão-se em decote.
Uma
fonte canta cristal sem que se note
tristeza
ou euforia nas voltas dadas ao mote.
Respirar
é uma arte deliciosa.
Vamos
rumo a oeste tecendo loas
à
bolina da brisa que, zéfira, é favónia.
Ver
com a mente faz bem à cachimónia.
Aquela
é Albertina, a outra é Lurdes; vão c’Antónia
beber
chá frio e comer as doces broas.
Compressa
de bons campos, a velha Cidade
parece
remoçar-se, ladina qual pardal.
Deriva-se
por ela em andor de Portugal.
O
passo é leve e lento em liberdade.
Sou
por vezes agraciado de sonhos cuja simplicidade
chega
a ser movente, comovente – e tocante.
Ontem
sonhei, veja-se cá, com bacalhau.
Despertei
sorrisonho, o que não é nada mau.
Refrescado,
de atavio aprumado, dei-me levante
e
fui à Rita, que serve a melhor bica da Cidade.
IV
Às
imagens do mundo acresce o vidente.
O
nada não é a ausência das coisas mas
a
do sujeito.
Não
é, ainda não, o nosso caso, valha-nos isso.
À
orla litoral uma quase-alegria do corpo.
O
iodo penetra as frinchas do estar-em-ser.
Se
feminil figura lacra a luz o passeio marítimo,
então
o caso é mirar com educada discrição
a
gino-estesia patente andante adiante.
Regueifada
de boas chichas, Maria Eduarda
adentra-me,
lípida & boazonamente, o campo visual.
Foi
ninfeta outrora. É ora matrona.
E,
como disse, boazona.
Puxa-me
entretanto a obrigação para casa.
Espécie
de doce fadiga me torna seda a pestana.
Hoje,
francamente, nem vou com o grão-na-asa,
tenho-me
portado bem toda a semana.
V
Lacrimeja
colírio a arrependida,
beija
em delírio seu saudoso.
Foi
escolha dela, o ter esta vida.
Regressa
ao futuro o passado danoso.
É
de mamas moles e palavras duras.
Não
é má pessoa, a vida é-lhe avessa.
Enfuna
o decote, assim tipo condessa.
Mas
chora no escuro ’mas mil amarguras.
Chama-se
Yvette, o que não ajuda.
Tem
quatro afilhadas, mas co’ elas não fala.
Vive
mais na cozinha, sem visitas na sala.
Namorou-se
em tempos de um sargento casado
que
nunca a estimou e a cobriu apressado.
Amanhã vai para um lar. E já fez a mala.
4 comentários:
Só os grandes homens sonham com coisas simples! :)
Sempre uma escrita que encanta!
Obrigada!
Sou eu quem agradece tanta desmesura, Mad.
Não é desmesura. É verdade! Por vezes, nem me atrevo a comentar de tão belos são os textos. Temo estragá-los!
O leitor / A leitora: são a razão cervical dos textos. Merci, merci, Mad.
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