A pulseira do Sala
Lembrais-vos da pulseira mágica do António Sala, aquela a
que o suposto Senhor Rádio e alegado Príncipe da Renascença fez propaganda?
Sim, aquela que os e as abéculas deste País triste e parv’alegre compraram em
massa para suster o mau-olhado, o herpes, o corrimento menstrual, a egofagia,
as saudades da tia e o raio que os parta? Sim, aquele amuleto de fraca lata que
era suposto curar e sinecurar as vertigens, a bola de pêlo na garganta, o mijo
em caso de gargalhada, o paradoxo que resulta da disfunção eréctil crescer
tanto e a angústia metafísica perante o IVA dos livros? Pois, essa mesma que os
supinos parolos deste morredouro de lambéculas passou a usar galhardamente na
mesma pata do dedo do cachucho e da fitinha do Senhor do Bonfim, em vez de a
trazer ao pescoço como os cães fazem à coleira e os bois à canga, ou, à maneira
de arganel, no focinho como os cafres, os punks e os porcos?
Sonhei com ela. Que era obrigado a usar uma. Que nem
debaixo da camisola a podia esconder. Que tinha de andar sempre com o antebraço
arregaçado até ao sovaco.
Sim, tenho sonhos tristes. Nem pesadelos são, que não
tenho dinheiro para filmes. (E quem não tem dinheiro, não tem vícios, excepto o
vício de não ter dinheiro.)
Desse sonho da pulseira do Sala acordei especialmente
consternado. Compungido. Pesaroso. Dorido. Raivoso. Combalido. Acordei português,
enfim. Mas, pronto, levantei-me e pus-me a cirandar pela mente à cata dos cacos
do sonho. Andava eu já quase muito contentinho nesse ofício quando me deparei com
nótulas a lápis encefálico para futuras crónicas.
Uma era esta: que o défice e o Relvas devem ser afins, já
que ambos são impagáveis. Outra ocorreu-me quando, dando pão às pombas, veio um
pardal e roubou quanto pôde, pelo que passei a designá-lo por “gaspardal”.
Outra, vá lá, era um arremedo de senso-comum: chávena escaldada de café frio
tem medo. Maluqueiras de cronista ocioso, eu sei.
Costumo esquecer-me depressinha dos sonhos. Mas o da
pulseira do Sala não quis ser obliterado sem se ver em tinta de imprensa. Que
significará tal desvario? Que simboliza? Que quis ele alegorizar? Eu não
acredito em transcendentalismos nenhuns. As superstições põem-me a rosnar. As
psiquiatrias e os pais-de-santo valem-me o mesmo. Aos que se genuflectem, só me
apetece povoar-lhes os cagueiros de pontapés com biqueira de aço. O meu único
santo é São Tomé. E o meu credo é todo material, a ponto de considerar os
humanos como meros sacos de vísceras apertados em cima por um olhar. Mas “o”
raça da pulseira do Sala, sinceramente…
Peço-vos perdão. Isto não é crónica que se veja ou sequer
se cheire. Eu sei, eu sei. O que não sei, é como arrancar do pulso a porra da
pulseira, que acabei por ter de comprar à viúva do Serafim, cujo a tinha
comprado para se curar duma caganeira hemorrágica mas acabou por morrer dela na
mesma, como toda a gente.
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