A Casa do Trinta-Diabos
Há
muitos, muitos anos, havia um homem que chefiava uma quadrilha de ladrões de
estrada. Ninguém conhecia o nome verdadeiro dele. Mas a fama do chefe dos
ladrões acendia tanto o terror na noite e nos corações, que se tornou conhecido
pela alcunha de “Trinta-Diabos”.
Não
havia automóveis, nem aviões, nem rádio, nem televisão. Havia o Sol e havia a
Lua. E havia a casa do Trinta-Diabos, que só um dos ladrões do bando sabia ao
certo onde ficava. Era para essa casa que o ajudante do Trinta-Diabos levava as
malas e os alforges com o produto dos roubos.
Os
salteadores operavam de noite. Preferiam as carruagens que, a horas mortas, se
arriscavam pelas amortecidas estradas dos bosques. Depois do assalto, os
ladrões desatrelavam os cavalos das carruagens e fugiam com eles. As vítimas
ficavam ali até que Deus voltasse a lembrar-se delas.
O
povo dizia que os ladrões comiam os cavalos roubados depois de lhes terem
bebido o sangue misturado com cinzas de oliveira. Mas isso não era a verdade. A
verdade era que os ladrões vendiam os animais em feiras de gado, que naquele
tempo eram legais porque ainda nem União Europeia havia.
Foi
por causa das feiras de gado que o bando foi detectado, preso e desmantelado.
Todos foram metidos a ferros no cárcere – todos menos o Trinta-Diabos, que
nunca ia às feiras, preferindo ficar em casa a contar e a recontar as moedas de
oiro à luz do azeite.
O
ajudante do Trinta-Diabos, de modo a aligeirar a pena de degredo para África
com que o ameaçaram, confessou a localização da casa do Trinta-Diabos. Os
polícias pegaram nele e, numa noite de carvão apagado, partiram em busca do
sítio e do terrível chefe da quadrilha.
Quando,
cheios de cautelas, arrepios e suores-frios, chegaram ao local indicado pelo
delator arrependido, a casa não estava lá. Foi em vão que o atónito criminoso
jurou e voltou a jurar que era ali e em nenhures senão ali. Chorando baba,
sangue e ranho, gemeu que só podia tratar-se de algum milagre infernal. Que só
trinta diabos no corpo de um poderiam mudar de sítio uma casa tão grande como a
do seu antigo chefe.
Os
agentes da lei não acreditaram nele e mataram-no ali mesmo em fúria e por
vingança. Enforcaram-no num castanheiro e abandonaram-no ali à podridão em
sinal de aviso ao Trinta-Diabos.
A
casa nunca foi descoberta. Mas o povo sabe que ela só pode continuar a existir
– e algures na mesma serra. Em noites invernosas, quando o frio torna a solidão
tão material como uma pedra, há quem veja, lá longe no manto negro da serra,
uma luz de azeite tremendo como uma estrela maligna. Mas quando a manhã volta,
os cães e os homens nunca encontram a casa no sítio da luz.
Se
esta história é verdadeira? Claro que sim. Todas as histórias são verdadeiras
depois de escritas e contadas. Sou o bisneto do Trinta-Diabos. Minha Mãe foi a
única filha da única filha dele. Ao lado do papel onde escrevo estas palavras
para Vossa ilustração e entretenimento Vosso, brilham ainda, à luz agora
eléctrica, as moedas de oiro que o Trinta-Diabos nunca pôde gastar por não ser
capaz de sair de uma casa que não existia.
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