DA, Leiria, 11 de Abril de 2012
Desconheço se a Vida é de consumo mínimo
obrigatório, se de consumo obrigatório mas mínimo. É, enfim, consumo. E
obrigatória. E mínima.
*
Estilhaçada a redoma de cristal da
infância, desflorada a rosa da tarde, ao menos a julgar pelo relógio (15h37m) é
tarde na minha vida.
*
Quintais suburbanos, uma criança solitária
por cada. A montanha, longe para sempre, não mais que um fumo azul debruando o
horizonte da criança e da solidão que ela já exerce, suburbana do mundo. Nas
noites sem polícias nem ladrões, as estátuas trocam de jardim alvoroçando o
sono dos melros, indignando as dálias, entrando neste verso. Nos sanatórios de
fim-de-linha(gem), os velhos & as velhas descuram-se finalmente da mente e
do final, imunes ao Tempo e ao Amor e à Solidão e às Fezes. Cada criança
suburbana por cada solitário quintal iniciou já a contagem para este mover de
estátuas, de dálias.
*
Nas tumbas de pedra das catedrais,
bispos e reis (e soterrados operários)
nem dormem já, que o pó não dorme.
E o esquecimento é enorme.
*
Espanejo de floral rama de laranjeira por
vezes a minha vida podógrafa. Não se trata (não já) de leccionar crianças ou de
coleccionar amores. Trata-se de deixar escrita uma cor que aliás nem vi, uma
ave-árvore autuando a eternidade de uma tarde (uma eternitarde), algo assim
difuso mas uno na minha cabeça-coração. Ainda assim, deveria arranjar um
emprego melhor.
*
Conheço tão bem como toda a gente (séria)
que chamar genial a Pessoa é como chamar água à chuva. Em carta ao poeta Mário
Beirão datada de Lisboa, 1 de Fevereiro de 1913, ele assim:
As
ideias que perco causam-me uma tortura imensa, sobrevivem-se nessa tortura,
escuramente outras.
E adianta:
V.
dificilmente imaginará que Rua do Arsenal, em matéria de movimento, tem sido a
minha pobre cabeça.
Conclui o parágrafo:
Toda uma
literatura, meu caro Mário, que vai da bruma – para a bruma – pela bruma…
*
Se as andorinhas fossem amarelas, esta
menina de blusa amarela seria, em perfeição, uma delas. É filha deste casal
aqui, vêem, este que lancha tantos bolos e tantas coca-colas. Todos chinelam de
borracha, todos de calções. Por causa dos calções, os refegos brancos e moles
das coxas da mãe enrosquilham-se magmas de banha seguros a custo pela pele. Por
causa dos chinelos, os dedos dos pés do pai apresentam uma grossura de maneiras
e um duplo pentagrama onicológico de esterco que escreve travessões no
soalho-caligrafia do Café. Mas é por causa daquele amarelo da filha que, não
sei porquê, pensei em andorinhas. E que, em andorinhas pensando, foi nela
afinal que pensei e penso.
Sem comentários:
Enviar um comentário