Objectos acumulados
sobre a mesa, fundindo as respectivas personalidades:
o bloco-notas & a disponibilidade mnemónica;
o bloco-notas & a disponibilidade mnemónica;
o cinzeiro & a omnivoracidade
escatológica;
a afiadeira & a
obstinação recapituladora;
a chávena vazia
& o utente de serviços públicos;
o telemóvel & o
silêncio primitivo.
*
Uma sala branca.
Cadeiras azuis. Tampos das mesas aos quadrados cinzentos e brancos. Porta
entreaberta sugerindo um corredor silencioso como via de claustros. Rumor de
água invisível dos flancos da atenção. Consciência perorando, arrumando-se como
lhe é possível.
Passagem: noção
radi(c)al dela.
*
(Fim de manhã. Não
permitirei que a penúria financeira seja capaz de impedir-me de escreviver.)
*
Uma mulher de saco
com cerejas.
Outra mulher, rosto
de morte-da-bezerra.
No meu queixo barbeado,
um risco de sangue seco.
Confiança nos
Antípodas, aqui só inquietude.
Tempo de
ossicalcificação mental.
Sou um movimento
que espera,
uma espera que se
mexe,
uma cereja num
saco.
*
Encontro não
combinado com o meu Irmão Fernando nO Nosso Café. Assuntos: a Mãe, o
Desemprego/as Expectativas/as Perspectivas/a Falta Delas. A (des)economia das
nossas vidas pesando mais do que os anos. Mas irmandade e fraternidade, no
nosso caso, rimam de facto e deveras.
*
Esta espera
interior, esta estranha acção dos mecanismos neurovolitivos. A “selecção
natural”, como me acaba de dizer o Fernando. Desprezo pela sociodeficiência
voluntária. Rejeição do jugo pré-conceptual, mesmo algum de cariz familiar
(espécie de imerecida ancestralidade obstinada, presente, asfixiante,
irracional e irracionada). Esta interior demora: pele de pele, vida de Vida.
Corpos jovens residindo numa dimensão paralela/mas visível a olhos-nus/à nossa
– mas nossa não já. A poesia ante a realidade: uso de gabardina no Estio. Nos
estabelecimentos-bebedouros-da-Noite, mais co(r)pos: penetrando os sacrifícios,
cotejando estátuas-de-jardim nas esplanadas, devastando gelados, folhados,
granizados, gins, amendoins, rosquilhas, salsaparrilhas & ingentes
aguardentes. Esta íntima demora, este morango cardíaco, esta ressoante e
ressumante humanidade toda intestina. Falo-Vos de vós adentrando-se sem
partilha maior que este crescente de unha que acabo de roer. Uma vida: mel
& pus. A um momento lúcido corresponde a percepção da não-gravidade de
quase nada. Gomes Leal, por exemplo: cara & coroa de si mesmo, o Gomes da
mais completa/abjecta prostração material & o Leal leal ao sonho dos salões
do terreal paraíso nobiliárquico. O pelo
sonho é que vamos do pobre Sebastião da Gama na Candidinha de A Farsa de Raul Brandão, mas em versão
ódio. Estas coisas, estas elucubrações ao tempo genesíacas & apocalípticas.
E, ao cabo como ao fim, não-graves.
Espero, sim, por
dentro, a consumpção e a assumpção. Agora sou todo já tão-só palavrinhas.
Manuais de conversação, breviários gramaticais, cadernetas corocartográficas,
sinapses (v)ideográficas do Sul da Hispânia quando os Mouros repousavam o
alfange e deixavam dormir as mulheres, Althusser antes de estrangular a dele
num acesso de loucura toda sináptica, os gajos em Oxbridge cheiinhos de
erudição exegética, de prisma hermenêutico e de paneleirice mal recalcada (o
estudante muito louro, muito velocipédico través o extenso relvado gelado na
calafria manhã de cinza), o toucinho viático, saudades deste e daquela, o
perfil pai-natal daquele homem hirsuto de neves barbibigodeiras, Marlowe
escanhoado (um deles dois, ou o detective de Chandler que bebia ou o coevo de
Shakespeare que também), José Rodrigues Miguéis como guarda-redes desta quadra
de hóquei-em-patins: Hemingway, Faulkner, Fitzgerald e Dos Passos; adversários:
guarda-redes Jorge de Sena, em campo Upton Sinclair, Sinclair Lewis, Steinbeck
e Caldwell. Estas coisas já sem gravidade, sem dor já nem remédio. Um poema,
portanto –
*
Queremos o que ter
vamos
Uma outra vida
iluminando uma frase
Que sabe pérsicos
os pêssegos
E a boca por
primeira das três fontes da cabeça.
Teremos o que
querer não vamos
A guarda do
cipreste
O coração
fátuo-fogueteiro
A estrelícia em vão
enamorada do cravo
E uma revolução
toda cagada pelas ruas futuras.
Julho não tarda aí
nem tarda a ir-se embora
Certo Novembro
recebemos uma carta transparente
Tinham proibido as
ínsuas e as perdizes e os selos
E tudo aos de então
pareceu agora como nunca mais.
Falai-me V. de meu
insensato primo
Que à mulher
insensatamente desamou
Depois de lhe
feitas as filhas e as malas.
Contai-me não
salteada a história ponderosa
De quem pinta dos
ricos as mansões
E das mulheres a
roxo as vistas.
Na mente do
suicida, falhei a vida
Mas a morte me não
falha,
A terra a quem a
trabalha.
*
Sim, espero dentro
esse dia já ontem.
*
Fitzgerald, pág.ª 87,
perto do final da história intitulada Tarquínio
de Cheapside:
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