Antero de Quental, representado numa
"estátua viva". A Questão Coimbrã nas ruas de Lisboa.
© Inês Antunes
Em carta datada de
Lisboa, 12 de Novembro de 1914 a Álvaro Pinto (da direcção da revista Renascença Portuguesa e secretário de
redacção da revista A Águia), escreve
Fernando Pessoa assim:
Compenetrei-me celularmente da absoluta inutilidade de
qualquer esforço e da ridícula incongruência do acto fundamental de escrever –
expor aos outros cousas que ou são opiniões ou sonhos, como se as opiniões,
quando por acaso alguma acção têm, fizessem mais do que perturbar para fora dos
seus saudáveis e naturais instintos os pobres cérebros humanos; e como se o
destino lógico e nobre dos sonhos não fosse ficarem apenas sonhados dentro de
nós, sem a ousada imperfeição de serem expressos. Não podendo ter a maravilhosa
e natural saúde de não ter opinião nem sonhos, esforcemo-nos ao menos por
adquirir a artificial saúde da renúncia.
Pobre Pessoa, jóia
raríssima imersa e ignota num charco de rãs-integralistas, sapos-lusitanistas e
girinos-saudosistas. Nem lusitanismos nem integralismos poderiam perceber,
sequer de esguelha, o drama estático O
Marinheiro. Acrescente-se “apenas” isto: que já a 8 de Março deste mesmo
1914 Pessoa, de pé, sobre uma cómoda alta,
recebera a visita mediúnica de um tal Alberto Caeiro, guardador de rebanhos…
Já Teófilo, a páginas
100-101 da op. cit., cita, a propósito da chinfrinada da Questão Coimbrã (Bom Senso e Bom Gosto), uma excelente intrusão
(tão actual, infelizmente) de Cunha Belém, autor do folheto Horácios e Curiácios:
A facilidade com que entre nós se fabricam as reputações
literárias, a impunidade com que se adormece à sombra dos colhidos loiros, o
deleite com que tanto os grandes como os pequenos ouvem reciprocamente o canto
da sereia denominada elogio
mútuo, a má-fé ou nímia condescendência
na crítica literária, são decerto a principal origem da astenia que apresenta a
nossa boa literatura.
Pois é: a trampa é
antiga. Do século XIX ultra-romântico do Castilho cego e do deslumbramento
revolucionário do Antero suicida – ao nosso XXI, nada de novo debaixo da
cloaca. Hoje, os chicos-zés-viegas, o VGraçaMoura (vero Pinheiro Chagas da
nossa idade), os peixotos, os possidónios, as pedrosas, os manéisaroucas, os
pivôstêvês – tudo é genial por destinal ou asneal de asinino. Bardamerda,
enfim, que no país “literário” só a estupidez, o compadrio, a putaria, o
piercing e a infecta madalena que os/as pariu a todos/as são vernáculas.
(E isto numa língua
que deu um Nuno Bragança – quem?, um Miguéis – quem?, um Sena – quem?, um
António Osório – quem?, um H. Silva Letra – quem?, um Wenceslau de Moraes –
quem?, um Soeiro – quem?, um Luís Filipe Costa – quem?, um Fernando Pessoa –
quem?)
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