17/11/2011

Rosário Breve nº 233- in O Ribatejo - www.oribatejo.pt - 17 de Novembro de 2011




Bairro Alto vezes 26

Vinte-seis anos depois de nascer, o semanário O RIBATEJO continua a ser clandestinamente composto e impresso furtivamente numa tipografia esconsa do esconso e lisbonense Bairro Alto, um pardieiro que faz paredes-meias com uma taberna de iscas e ginjinhas, tudo com-elas. Tal tipografia e tal taberna partilham com o jornal a obscuridade das corujas e a cautela para com os ratos. Tipógrafo, taberneiro e jornalistas comungam da paradoxal predilecção pelo chumbo nas unhas, pelo fado diagonal e pela bisca lambida. Antigamente às sextas para agora às quintas, o pasquim abandona os calabouços bairroaltinos manhosamente embrulhado em grossa folha de papel-cenário de cor-do-cartão-das-caixas-de-sapatos. Carregam-no com amor e sem rumor para as férreas catacumbas de Santa Apolónia. Daí, faz pouca-terra-pouca-terra até que a terra se faz muita como em alhures mais se não vê nem há. Isto é: chega a Santarém. Vejam o filme: chega de noite às lezírias abençoadas pelo marítimo rio nado em Espanha, sopra vapor o mais cálido nos dedos arrefecidos e põe-se logo a gritar manchetes verdadeiras.
Há vinte-seis anos que anda nisto: apre(e)nde o palco da realidade como Bernardo Santareno, di-lo em palavras ditas como Mário Viegas e fá-lo agir agora-ou-nunca como Salgueiro Maia. Pela manhã, já passou de mão em mão. É lido em vãos de escada, em sentinas públicas, sob dois chicharros na bancada do mercado, no intervalo das aulas da escola primária por professores que sonharam ser os próximos Vergílios Ferreiras e nunca foram, por costureirinhas que nunca serão Beatrizes Costas, por dentistas ulcerados de azedume antimunicipal e por taxistas raríssimos que não veneram Salazar logo a seguir ao Deus dos quinzes-de-Agosto. Dizem as boas-línguas que até nas câmaras e nas juntas ele é soletrado, mas tal não consta de acta de assembleia alguma.
Vinte-seis anos disto: caracter que se faz carácter, linguado que não lambe (à excepção da bisca, entre iscas e copinhos de ginja), aviso notarial para pagar o pão com tulicreme aos escribas, ao tipógrafo e ao taberneiro.
Teimosamente, obstinadamente, incompreensivelmente, continua a nascer e a fazer-se gente com a gente dentro todas as santas semanas do nosso paganismo existencial. O RIBATEJO. Teimosamente forma, porque informa. Obstinadamente diz, porque não dita. E incompreensivelmente é sempre verdadeiro: não por causa desta ou daquela manchete, mas porque, em um quarto de século mais um ano, não houve jamais caracter daquela tal tipografia que se não visse volvido em carácter neste jornal.

2 comentários:

Paula Sofia Luz disse...

faltou dizeres que o Tó se foi embora. 18 desses 26 a paginar.

Daniel Abrunheiro disse...

Não sabia na altura em que escrevi e enviei, Paulita. Na mensagem de envio, até lhe mandava um recado. Não sabia. O Pep e o Quim Duarte disseram-me depois.

Canzoada Assaltante