© Alfred Steiglitz
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44. SONETO DO ARREDAR DA VÃ ESPERANÇA O VINHO AMARGO E CERCANIAS DESSE SONETO
Coimbra, segunda-feira, 6 de Junho de 2011
À hora a que escrevo, adormeceram já as aves. Sou este homem de camisola encarnada, esta figura povoada de lugares despovoados e de pessoas do deserto.
O vento traz gelo nas asas e na cauda, a noite vem nascendo fresca, pouca gente demanda o bairro e as cercanias do meu corpo, da minha camisola encarnada.
(Talvez a alegria extenue mais do que a tristeza, suspeito que sim.)
Faço por não profanar de máculas nem o amor nem a triste beleza dele. Faço por deixar vestígios purificados pelo gelo do ar voador, Junho embora. Animais pensativos em pastagens não cercadas; pessoas solícitas, propícias, não vorazes, na ponta de lá das frases; sinos prolongando o bronze crepuscular da aldeia cimeira de campos; o envelhecimento sem remorsos morais dos objectos (o pente, a escova, os chinelos, o bule, os retratos dos amados).
São agora as dez e meia da noite, não vou turvar nem perturbar as aves que adormeceram a segunda-feira mesma da minha vida.
*
O leve veludo é todo do olhar que atiras
aos subúrbios vãos, às tristes pessoas.
Isto da minha vida é demandar lisboas
que tu já não queiras e não firas.
*
Arredei da vã esperança o vinho amargo,
bacalhau a pataco é poesia.
Eu ando p’r’àqui calado o mor do dia,
eu colho o meu morango, o meu espargo.
Tu és das incertezas a mais certa,
revolves lodos fundos a noite toda.
Dev’rias tu chamares a ti’ Alberta
– ou Gertrudes, Mercedes, que se foda.
Só qu’ eu arredei o vão vinho da esp’rança.
Sem vinho, não se dança, não se se diz.
Eu era p’ra ter sido só feliz,
mas ele há coisas, coisas que um homem
petiz passado a jovem desconsidera.
Arredei. Espera: acordei. Agora, espera.
*
Falo da fila de salgueiros de sentinela ao rio,
uma tarde debruada a ouro-azul.
Falo da estival sede do estio.
Digo o nunca ter chegado ao sul.
O norte é a morte, pois pudera.
O magneto chama a quem odeia e a quem ama.
Falo do bordado vegetal que inflama
o ínvio inverno à flor da primavera.
Sou um salgueiro-da-Babilónia, olá.
Sou um rapaz daqui, disto aqui, de cá.
Sou o avoengo filho: anáfora genética.
Nos lapsos dos dias, atendo a poesia.
Faço-o aliás quase todo o dia,
que sempre muito me dei eu à estética.
*
A larva (a parva) da palavra não me larga,
só me laureia, Laura, a pevide.
*
Disponho ainda de algum tempo para perfilar.
Os momentos existem, um pão e uma garrafa de água no saco não hão-de impedir as pernas de ir-a-ver. Auras azuis dormem ao alto do sal do mar, janelas amarelas podem bem ser um ouro-de-latão-tipo-pobre. Hei-de seguir justapondo-palavras. Na volta, um prato de sopa ferverá a minha paciência quase santa. E silhuetas de (de)lírios branquearão a dentição vegetal da mordedura do dia. E estas ruas não parecerão (não perecerão) tão desertas. Isto eu digo uma segunda-feira em Coimbra, instaurada fria a noite, Junho embora afora.
*
Pertenço a esta Cidade Toda Luz: uma de suas sombras sou. Derivo obliquamente como uma árvore beira-fluvial por o Rio que Ela é. Tu entendes isso, quando me sento no lugar-do-morto do teu carro, da tua vida, da minha Cidade.
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