©Anna Kruszewska - Poznański's factory
50. QUATRO INSTANTES
Leiria, terça-feira, 14 de Junho de 2011
TRÊS DA MANHÃ
Os livros são infinitos, a vida não.
Enquanto disponho da minha, vou por eles – e tenho ido bem. Assim me acontece a possibilidade de devassar glaciares e florestas-da-chuva e cidades portuárias que equivalem a homens solitários parados à chuva. Salas de concerto ricas de púrpuras, damascos, ouropéis e decotes de nata alvíssima; extensões fluviais pespontadas marginalmente de pepitas citrinas as mais áureas; colégios pré-universitários na província especializados em puericultura, necrologia, numismática, sideromancia, urologia histórica, taxonomia e culinária; florações escritas a partir de uma solidão essencial; cemitérios belíssimos subindo colinas não menos; fornos a lenha urdindo o pão solar que locomove a humanidade restrita, mas universal sempre, da aldeia; alpinistas tomando chá em tendas vergastadas pela heróica inclemência do pai-vento; a condição equatorial do diafragma; o olimpismo do coração; a descoberta de que a eugenia só pode ser individual e só pode acontecer na velhice de cada um; minutos tão únicos, que permitem contar (uma, duas, três, quatro, vamos para cinco) as décadas eugénicas; jipes formigando pelo deserto que vale reis os mais solitários na tumba onde se preservam tanto do esquecimento como da lembrança; cidades porto-prontuárias expedindo homens ortográficos em caligrafia pluvial; e Crusoe, Sawyer/Finn, K., Benjy, Raskolnikov, Pierre, Clarice, Leo Colson, Carvalho, a Heidi e o Marco.
Esta madrugada a minha vida cruzará o Lis, dormindo patos e peixes no veludo pobre da água. Andando, de glaciar e trópico em cada bolso traseiro das calças, hei-de eu trotar como um cão escrito. Proscrito, não: não ainda.
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