© Duane Michals
Leiria, sábado, 26 de Novembro de 2011
Manhã de bom sol em plena acção.
Também em acção: identidade; permanência; duração; efemeridade. Só isto? Não é pouco.
Também, porém e ainda:
celebração alimentar do corpo (sem oposição a espírito ou alma, abstractas superstições que renego com o corpo todo); instantes (re)jubilações da beleza anatómica (das pessoas, das árvores, das aves, dos rios, de algumas casas, de inesperadas químicas que a luz patenteia por puro capricho oratório, da biologia da morte e da necromancia da sobre/sub/vivência);
hidráulica da atenção;
merencória filosofia da pausa café-cigarro.
Poucas (mas duras, mas férreas) certezas,
como essa de o amor nos solidarizar com a brevidade e a intensidade do fósforo aceso;
como essa de a dignidade ser – por definição, liminar e luminar – incorruptível;
como essoutra de o bom sol matinal consistir em acção.
Que tudo é território.
É território
este cão que na rua aguarda a dona enquanto ela se cafeína ao balcão da pastelaria: animal que fala e diz o mundo a partir da sua brancura reverberante, contrariada apenas (ou sublinhada, melhor) pela mancha castanho-ouro de meio rosto e meia orelha (do lado esquerdo) – afago-o e falo-lhe, digo-lhe sandices mimosas que ele entende com a batuta pendular e robusta da cauda.
É território
a revisão das mulheres da minha vida – ou na – ou pela – minha vida: jardim mais discreto que secreto nutrido quantas vezes pelo merencório pasmo da pausa café-cigarro, sobretudo quando chove a ponto de o mundo parecer mais limítrofe do que a morte e as terças-feiras.
É território
a arqueologia do parentesco: aí (lá) onde o mesmo rápido corpo escritor se lê demoradamente, tão demoradamente e tão do-amor-da-mente.
(E é território
a mente, não a alma, não o espírito.)
Sim, manhã-acção ao sol de Novembro: manh’acção.
Se descrevo, leio. Talvez interprete (no sentido de represento: à maneira de actor-agente-avatar). Já muito descrevi(vi): vi, vivi:
o regime eólico e mercurial das águas que nascem da montanha para uma vocação de mar;
o destino de salmão que todo o rio tem por fado e condição;
a geometria por vezes intolerável de boa das mulheres (carnívora flor cada uma, coralífero diaporama cada outra);
a organização bilharista dos machos humanos pelas salas traseiras dos salões-catacumbas do quotidiano;
o poder pueril e homicida do dinheiro-pelo-dinheiro;
e o cão branco-ouro que me volta à mão para mais uma sessão de carinho autógrafo.
Bela manhã, senhores & meninas.
Vela não vã, que, ardendo, ilumina.
Tela louçã, lustral, cristalina.
Dela, a massa sã adoça as retinas.
Sigamos doravante à tarde rumo, antes do frio lume que a noite há-de ignicionar em (a)manhã.
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