29/06/2011

Rosário de Isabel e Dinis - 8 -


8. UM EXACTO MÊS DEPOIS DELA

Leiria, Pombal, Coimbra, domingo, 3 de Abril de 2011

E num ápice-fósforo deflagro a ignição da manhã, breve o fugaz lume-gás que, não tarda, tarde se faz.

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Tarde, pois. Domingo. Ainda em Leiria. Sol. Um favónio fresco. Lentidão provincial e vazio provinciano. Meia dúzia de carros, uma quase vintena de pessoas adultas, algumas crianças liofilizadas: uma espécie de apagão existencial em forma de bocejo. Nada, enfim, exclusivo da Cidade do Lis – Coimbra e quejandos burgos (não mestres) hão-de, por estas horas paraplégicas, estar pelo mesmo. Eu até gosto, porém. Agrada-me esta imitação da paz a que a patrícia parvónia se dá. Domingo, não se pensa tanto nos bandalhos desgovernantes, no pauperismo (a)moral das instituições, na tábua-rasa da prosperidade, na porca da corrupção. Não se pensa tanto? Pois – nem sequer se pensa. Sente-se o favónio, a branda brisa que suaviza a Maria-Elisa-amailo-seu-António, a ampla tenda solar reinaugurando o arrebol de corninhos-ao-sol.

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O Tempo das estações ferroviárias: a Ele volto vezes sem conta. É totalmente humano – porque, como todos nós, é capaz do vazio. Cronometrado à microbiologia do instante, cheio de seu mesmo vácuo, Ele regurgita a mulata que lê em voz média-alta ao filho a revista que traz o Cristiano Ronaldo; Ele empareda os restantes corpos expectantes na volumetria transparente do glacial vento da noite de Abril; Ele não perdoa, como não condena. Mas conta.

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Ou o Tempo dos cafés noct’endomingueiros: essoutro vazio: a jornada da semana que acaba mal começou, à Lua Velha. Substância das primeiras moscas da Primavera, resistentes ao frio e negro-ametistas-artistas-ameríndios. Eu num café desses, um destes domingos, um destes finados domingos de anunciação nenhuma e nenhuma epifania. Já a passagem da meia-noite trai a datação deste-capítulo-deste-caderno-deste-livro. Não faz mal.
A canasta jogada a um canto por dois parceiros operários de aldeias circunvizinhas. Rapazes fumando sob um cedro imponente. Delicadezas violáceas subindo fumaças lilases no vidro-gelo de já-abril, um exacto mês depois da minha Mãe.

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Canzoada Assaltante