© Sandra Bernardo
Coimbra, 21 de Outubro de 2008
Coimbra, 21 de Outubro de 2008
Pombal, tarde de 26 de Novembro de 2008
Também as mulheres entristecem.
As cabeleireiras sem freguesas, vazias no salão.
As criadoras de gado, de crianças, de lírios:
brancos de cal de mortos seus rostos.
Os casamentos colados a cuspo genético:
as noivas que foram jacintos-de-água,
seus ventres verdes boiando à tona dos hipermercados.
Também a plástica doçura dos torsos entristece.
Revistas-caloríferos panadas de púbis raspados à lâmina.
Trepidações e comboios creolinando a terra cascalhosa.
O salão sem freguesas, a terça-feira das cabeleireiras.
O esvaziamento propiciado por tantas (uma só) terças-feiras.
Se uma vila usas que pelourinho tenha
à fósfora sangria do crepúsculo, como elas
podes entristecer em suavidade: o favor farás,
mínimo aliás, de registar como a velhice
lhes faz bem à beleza, como aves marinhas
se volvem, linhas do lápis do sal em o
pergaminho de seus rostos, essas praias.
E a azul aguadilha quase cega das avós
(as nossas filhas no futuro sem nós)
perto do lume que tosta e aura de ruivo ouro
o dorso da gata, o cobre da peça para a flor seca,
e a cobra da piça (flor seca também),
e a graça excelentíssima dos fala-sós abonados
de solidão, sacos de plástico e barbas de sebo,
nos jardins de Lisboa, nos jardins da nossa vida.
Também elas, sim, entristecem, lânguidas
em camas de repente o dobro de vazias,
isto de os maridos aprenderem internet
é tão pouco católico, tão gay, até.
O Portugal que todos quisemos para o século XXI
não era este: não este das mulheres tristes
em poemas sa(n)grados por um dos filhos
delas.
1 comentário:
Gostei. Mas as nossas mulheres sempe foram tristes.E apesar das camas o dobro vazias a solidão é provavelmente a mesma; e a bem dizer nunca tantas foram ao cabeleireiro como no século XXI
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