Viseu, esplanada do Restaurante Colmeia,
manhã de 3 de Setembro de 2008
Quarta-feira, manhã nova.Cedo saio a of’recer
pão do velho às pombas novas
que o gostam de comer.
Torno à praça sideral.
D. Duarte olha p’ra mim.
Ele foi rei de Portugal,
hoje nada, é mesmo assim.
Ruazitas levam gente
pobrezita pela calha.
É uma gente indigente
que vive do que trabalha.
A manhã nubla o sentir,
’inda o sol nos não tomou.
O passado está por vir
e o porvir nos não chegou.
Quero a flor da laranjeira
perfumando o teu olhar.
Pode ser a vida inteira,
desde que mui devagar.
São antigas como o mundo
as senhoras viuvinhas
que trocam ali ao fundo
as receitas e as mèzinhas.
Passa o rico par de mamas
de uma vaca vertical
que num alterne de damas
champanha a cento e tal.
Dou-te esta rosa pungente
como as rosas todas são.
Só que esta rosa é gente
por ser o meu coração.
Ó senhora dos aflitos
transidos de agonia,
ó minha lua de gritos,
ó meu silêncio de dia:
ensina-me a pintar,
desaprende-m’ o’ screver,
que o verso me faz calar
o que a tinta quer dizer.
Estás sozinha, Genciana?
E tu, Lurdes, estás também?
É a vida tal semana,
terça mal, domingo bem.
Subscreve o assinado,
assassinado almocreve,
e escreve e põe de lado
o fado que não se atreve
a ser fado e destino
à portuguesa maneira:
garganta não cordilheira,
sol no chão e lua a pino.
Ali na charcutaria
de mui galantes morcelas,
há senhoras todo o dia
sonhando coisas com elas.
Ladra um cãozito de louça,
voz de barro em chacota
(e que aqui ninguém nos ouça,
é um som de terracota).
Por credo e anestesia,
ele ’ind’ há quem creia em Deus.
Mas o Diabo vigia
todos os créus que faz seus.
Numa igreja aqui perto,
há lírios de plasticina.
Foi o padre (que é esperto)
quem dourou a purpurina.
Genuflecte a velha sonsa,
se estatela o beberrão.
Ela lava a mitra esconsa,
ele faz de sacristão.
(Mas, olha!, de sol um raio
vem ora solarizar.
Quanto iço, quanto caio,
nascer, viver, terminar.)
(Nascer, viver, terminar.)
1 comentário:
Ainda fazemos uma desgarrada :)
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