Molelos (I a IV), entardenoitecer de 2 de Setembro de 2008 e
Viseu (V a X), noite idem
Viseu (V a X), noite idem
I
Porque não sei pintar retratos, comprei espelhos. Às pessoas que me visitam, peço que fiquem quietas perante eles. É então que elas compreendem os seus mesmos fantasmas, que seriam os meus se os soubesse pintar.
II
Sim, a vida ainda me adeja como um vento de bandeiras. Ainda sou o madeiro que meus pais atiraram à praia antes de voltarem para o mar. Agora, confirmai-o comigo: contra o mar adejamos, a que voltaremos, ao vento.
III
É um cinzeiro amplo, de barro negro. Tem cinco bocas (dez lábios) para suporte dos cigarros. Pouso o cigarro numa (dois lábios) e fico a vê-lo ardendo sozinho. Quando não fumo, faço o mesmo ante a minha vida.
IV
Estou sentado sozinho nesta sala. As paredes são de pedra: bons muros: claros signos da eternidade escura. Há um móvel que guarda vidros e louças. Há um televisor desligado. E a minha mão deita tinta de sombra ao papel, que a tinta e mão recebe e transforma em vidro, louça e escuros signos não eternos.
V
Sempre gostei de ser tocado pela graça da tristeza em anoitecidos cafés de província. Palavra de honra que sim. É uma tristeza que, de imediato, reciclo em esta pouco secreta alegria da poesia.
VI
Os nossos mortos vivem a nossa vida. Podemos confirmá-lo na cortina que como uma pálpebra estremece à brisa que não há. A mesma coisa quando se nos interrompe a vigília e damos por nós especados perante uma chávena, uma tabuleta, um animal que passa e não vemos passar. E eles dentro de nós, mais do que nós vivos.
VII
Costumo parar na rua para ler as ementas expostas das casas-de-pasto. Parecem-me poemas, aquelas linhas que não chegam ao fim. (Até pus uma personagem de Terminação do Anjo a sentir que sim, que são poemas, as ementas. Uma pessoa pode não viver de coisas assim, mas para coisas assim. Eu vivo.)
VIII
Hoje, acordei extenuado por um sonho que envolvia a minha Mãe e o meu irmão Carlos. Tive de obrigar-me logo a pensar em coisas boas da vida. Digo-vos algumas na estrofe nº IX.
IX
Os romances de Henry James.
As mulheres quando se riem.
As mulheres quando nos perdoam.
Os romances de Henry James.
X
Agora vou para casa, tenho a mulher à espera. Uma mulher à espera é que é a casa, se a soubermos pintar.
Porque não sei pintar retratos, comprei espelhos. Às pessoas que me visitam, peço que fiquem quietas perante eles. É então que elas compreendem os seus mesmos fantasmas, que seriam os meus se os soubesse pintar.
II
Sim, a vida ainda me adeja como um vento de bandeiras. Ainda sou o madeiro que meus pais atiraram à praia antes de voltarem para o mar. Agora, confirmai-o comigo: contra o mar adejamos, a que voltaremos, ao vento.
III
É um cinzeiro amplo, de barro negro. Tem cinco bocas (dez lábios) para suporte dos cigarros. Pouso o cigarro numa (dois lábios) e fico a vê-lo ardendo sozinho. Quando não fumo, faço o mesmo ante a minha vida.
IV
Estou sentado sozinho nesta sala. As paredes são de pedra: bons muros: claros signos da eternidade escura. Há um móvel que guarda vidros e louças. Há um televisor desligado. E a minha mão deita tinta de sombra ao papel, que a tinta e mão recebe e transforma em vidro, louça e escuros signos não eternos.
V
Sempre gostei de ser tocado pela graça da tristeza em anoitecidos cafés de província. Palavra de honra que sim. É uma tristeza que, de imediato, reciclo em esta pouco secreta alegria da poesia.
VI
Os nossos mortos vivem a nossa vida. Podemos confirmá-lo na cortina que como uma pálpebra estremece à brisa que não há. A mesma coisa quando se nos interrompe a vigília e damos por nós especados perante uma chávena, uma tabuleta, um animal que passa e não vemos passar. E eles dentro de nós, mais do que nós vivos.
VII
Costumo parar na rua para ler as ementas expostas das casas-de-pasto. Parecem-me poemas, aquelas linhas que não chegam ao fim. (Até pus uma personagem de Terminação do Anjo a sentir que sim, que são poemas, as ementas. Uma pessoa pode não viver de coisas assim, mas para coisas assim. Eu vivo.)
VIII
Hoje, acordei extenuado por um sonho que envolvia a minha Mãe e o meu irmão Carlos. Tive de obrigar-me logo a pensar em coisas boas da vida. Digo-vos algumas na estrofe nº IX.
IX
Os romances de Henry James.
As mulheres quando se riem.
As mulheres quando nos perdoam.
Os romances de Henry James.
X
Agora vou para casa, tenho a mulher à espera. Uma mulher à espera é que é a casa, se a soubermos pintar.
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