Sécul’aico - 78
Há muito laicizei o chamado coração.
Nenhuma deusa venero ou oráculo.
Não hesito entre taberna & tabernáculo.
Assim secularizo cálix em garrafão.
Só sobre mim exerço curatela.
Em celibato me debato sem nervo.
Em suma: impero sem ela (-por-ela).
(Estou bem, Lita, e bem me conservo.)
Uma mais branca palidez - 79
Manhãs envelhecem afinal também, à semelhança de nossa imagem.
Assistimos em algum desconcerto ao carácter potestativo do Tempo.
Contestação nenhuma nos é possível a tal manancial.
Vale-nos, em número, o princípio (& o fim) da equidade.
Amanhã, pela matina, vou ao médico desencerar-me.
Como em fundo de cisterna ando malouvindo o exterior.
É moléstia ensimesmadora, fecha a pessoa em si-imo.
Matinar-me-ei com algum entusiasmo, por conseguinte.
Enquanto o dia se chama hoje, no entanto, hei que aguentar. Digo-o assim porque posso. Tenho hora & meia para cumprir determinada tarefa formativa. Não é função árdua. Já hoje alimentei a passarada do telhado das garagens, lá em baixo nas traseiras do prédio.
Ajuramento quanto lavro em acta.
É cerimónia a sós, não importa ao mundo.
É, também, affidavit sem extraordinarice.
Assentamento de pueril teor, afinal.
Cita-se, primeiro; notifica-se, depois.
Em penal, arguido; em civil, réu.
Esporadicamente, a oposição concilia acordo.
Benefício & malefício trocam-se cartas.
Escuto um senhor perorando memórias profissionais de seu trajecto. A qualidade da atenção que lhe presto, todavia, não é das melhores: incomoda-me o que se passa na concha auricular dextra – minha, naturalmente. Dou por mim desejando a manhã de amanhã, médico amigo, livrar-me deste zumbido claustrofobiante.
Vozes: partes processuais interagindo-se.
Sim, ocasionalmente fantasmas manifestam-se.
Fica tudo em acta para amnésia-futura.
Euforias & desesperos, areia tudo.
Ainda é hoje. Vale-me ser já vinda a noite. Comer alguma coisa, adormecer cedo, acordar muito cedo, ir ao médico. O ouvido tem piorado. Faço por não ceder à impaciência. O silvo é constante na abóbada intracraniana. O Benfica está a perder, em casa, contra o Ajax. Morreu (só se soube hoje, ao que parece) no passado sábado, 19-do-2, Gary Brooker, voz dos Procol Harum, do clássico A Whiter Shade of Pale. Tinha 76 anos. Se amanhã tudo correr bem no doutor, a primeira coisa que farei no retorno a casa é reouvir a bela canção.