Camilo Castelo Branco
(1825-1890)
Acrimónia – 73
Ando, por estes dias, de pavilhão-auricular direito encerado a ponto de semi-surdez lateral. Em vão venho escarafunchando a cavidade: emplastrou-se-me o cubículo auditor, ouço como se em imo de aquário me (ou)visse peixe, desses tropicais que primam pela estupidez multicolor. É transe incómodo. Por ser eu um dentre o milhão (upa-upa!) de portugueses sem médico-de-família, já considerei a hipótese de, mesmo não-tenente de viatura própria, me ir a uma lavagem de carros, dessas automatizadas, a escovar o orelhame à força de escumas fortes. Não está fora de questão. Em consequência desta cerosa obnubilação sensorial, mais bem continuo ouvindo (d)a esquerda – por assim dizer & se bem me entendeis. O problema (a sê-lo) é a minha esquerda não ser (de) esguelha nem esquerdelha. Não me acho poluto de modismos político-cu-rectos. Não acho piada a gajos andarem de saia (não sendo escoceses), rabo-de-cavalo, brincos ou arganéis nas ventas. Não acho graça a fedelhas comentadeiras de futebol em vez de recepcionistas de solicitadores ou amásias de dentistas. O que acho ou desacho, todavia, não sustém a irreparável transumância, perdão, dinâmica, da carneirada, perdão, sociedade.
Outros motes me dão voltas. Em conversa com um Amigo, ouço (do lado esquerdo) que, usando ele o substantivo acrimónia em reunião profissional (“Sinto de vós certa acrimónia…”), o silêncio dos outros lhe apenas respondeu. Não era que ignorassem o que seja sentir – mas sim o que fosse acrimónia. Gargalhei gostosamente ao relato. Especialmente injusto (& inglório) para tal Amigo foi o ignaro equívoco de sua restrita assembleia: pois que em verdade V. digo que tal meu Confrade prima pela clareza absoluta em quanto diz, profere, locuciona, prelecciona – e até, quando caso disso, rosna.
Acrimónia não é (não será), enfim, palavra de quotidiano mercadejar. Também o não é inópia – por manifesta escassez de lexical esvurmanço, hélas! Por mim, e desde já os primos anos de escolaridade, deveria o magistério sujeitar (ou subditar) a azorrague, cilício, chibata, látego & pau-de-marmeleiro as criancinhas infançonas, a-Bem-da-Nação & no sentido da munificência vocabular.
Em Português de Portugal, não-há-pai para Camilo Castelo Branco. Ele sim, ele só, ele-segundo-de-ninguém. Queiram os meus Leitores ser, antes, ledores dele: A Queda dum Anjo, vá, ide por ’í. Pastareis, perdão, pasmareis ante a singular (perfunctória nunca) acuidade de seu idiomatismo. O alfarrábio dele é sempre fresco. Corre sempre novo quando recorre antigo – noviço, nunca. Lábia de astro, seu astrolábio.
Vinha isto a propósito de sei-quê: em canhenho recuperado às (f)urnas de meus caixotes, reentrei em posse de vocábulos lapijados por necessidade. Um deles: mormaço. Outro deles: vinolento. Sinto a manhã ganha (so to speak) com tal repescagem. O vinolento veio da leitura de Guerra Junqueiro. Tal-qual: balandraus & cogula (de monge).
Far-Vos-ei porém voltar a esta assuntação em, havendo-a, próxima ocasião.
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