03/02/2022

REGISTOS CIVIS - 44


 

Comicidade – 44

  



Dois amigos de longa data desentenderam-se.
Toldados ambos pelos éteres consumidos,
esfaquearam-se, ficaram feridos
também emocionalmente; coseram-lhes
os golpes mas não os latidos
que por dentro latiram, cães aturdidos.

Chovia, era negra a sério a noite.
De torna-viagem, Maria Eduarda,
ao volante de sua viatura, mal vendo,
atropela um cão já velho & quase cego.
Estas tragédias são recorrentes,
nem notícia chegam a ser de jornal.

Pessoas há que aderem ao silêncio, por norma.
Não há como (nem porque) abordá-las de encontro.
A cursiva idade abre & fecha janelas, muda ventos.
O sentido é um só, anotemos tal.
É um só o sentido.
Um só.

(Pífias rascas parolas soezes pessoas tanto existem
quanto as que o não são: regra esta sem excepção.)

Por/com/em outros sentidos:

Acaba-se-nos Janeiro. Medido por convenção, o Tempo ilude, alude a & alúi repetições. Faço anos em Maio. Não é ilusão; não é alusão – mas é aluimento.

Olhares que escurecem o objecto visado? Sim, há-os.
Piscam em intenção (nunca boa), querem o caos.
Sim, estive já absorto (não morto) na Rocha do Conde de Óbidos.
Sim, alerta-me melancolicamente o hábito dos óbitos.

Pessoas há dormindo sob pontes, viadutos – & sob seus pretéritos.
Outras, evangelizam ninguém com prospectos de seitas.
Não há prescrição para o sofrimento – nem para a idiotia.
Tudo existe em o mesmo a-tempo, por assim dizer.

Animalejos egocêntricos, patinhamos quais deuses apeados.
Tombamos do berço mais por vocação do que por gravidade.
Vamos sobre(ou sob)vivendo mais ou menos avariados.
E somos quantos ca(s)os há nas casas da Cidade.

Balúrdios pecuniários ofendem gravosamente os despojados.
Incêndios provocados nascem de extraviados nihilistas.
Autarcas pandorgas gozam o prato & co’ preto.
Estas coisas incessantes parecem normalizar (ou normatar) o dito real.

Diz-se que morreu a sós em casa certo poet’actor.
Sozinho foi que deram com ele, resolvidas todas as coisas.
O cómico de Valentin, o cómico de Plauto?
O cómico de Hitler, o cómico de Estaline?

O quotidiano até às mulheres volve pequenos-homens.
(Tende o que escrevivo a certa tabula-rasa, sei.)
O capitalismo, cívica selvajaria; o unanimismo, mé-mé.
Senti (mas não sinto já) muita pena de quem a não merece.

Cenografia. Encenação. Alguma coisa que mostrar?
Que reter? Que deter? Que meter? Que ter?
Algumas pessoas tratam o silêncio por tu: tuteiam-no.
E ele torna-as fonógrafas que nem grafam nem fonam.

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Canzoada Assaltante