Eva - 76
Sempre afinal me arruei deveras (cf. antepenúltima linha do registo imediatamente anterior). Fiz bem & fi-lo bem. Vim buscar a última pouca de sol da corrente segunda-feira (21-do-2). Quase surdo do lado direito. Desarmonia sensorial. Certa propensão para a lateralidade oposta. Já que bebo aguardente, como em A Canção de Lisboa (de 1933), deveria usar, como no mesmo filme, o funil auditivo – assim o receitou o pícnico Dr. Vasquinho (Santana) ao miraculado empregado do retiro-de-fados naquela maravilhosa película: “Aguardente? Ouvi perfeitamente!”.
(Passa além-patamar uma grávida.
Eva finalmente ilibada de pecado.)
(A luz preenche a fachada do prédio de Belinha P.
Hora do dia pré-morredoura, ainda frio nenhum.
Notar & anotar não são (não são) p’ra qualquer um.
Muito é o que olha, pouco é o que vê.)
Um formoso casal petisca sua merenda em a esplanada do amplo patamar: ovos com presunto, pão-de-alho, queijo caprino, ampola de rosé. São gente para trintas & poucos mais. Ele, espadaúdo como um cabide de roupeiro alto, traja a castanho-escuro, botins negros, gravata violeta; ela, sã como a maçã mais louçã, usa dentes de uma natureza estelar: em luz como em lonjura, não é que tremam. Assisto à emparelhada existência sua/deles em quieta veneração. Venero deles a mocidade inimputável, a inocência insofismável, o aparato amável – e a inelutável transitoriedade. Quase ’ind’agora mesmo, estava eu aqui dizendo a meu compadre Zeferino (sim: aos quase 58, tenho & sustento ainda imagos, perdão, amigos-imaginários) do bonito que é ser-se amável, insofismável – e, sobre tudo o mais, inimputável. Não já o simples ser-se moço, mas estes três atributos.
(– São dois cunhados aqui estabelecidos há uns quarenta anos bem aviados – diz o marido Etelvino à esposa Graciosa. – Pelo menos – diz ela, tirando o ábaco da carteira.)
Trôpega mas grossamente urinando (hoje) contra a coitada de uma moita de ruela sem prédios, dei de/por mim considerando & sopesando a necessidade de não ceder à misantropia galas forais de visto-permanente – em vão: estou misantropo, bem que a Molière não ignore.
Tenho em casa Torrente Ballester & Graham Greene. Ainda hoje (antes de hoje m’esmijaçar antimoitamente em escuro rincão desabitado) os sopesei & considerei. São ambos narradores de quilate-primeiro. Des-pensei-os depois: hei, quando hei, que livrar amarras lentes, sair à rua, ser como toda a gente faz por ser à mera menção de estar.
Vocábulos de cão ladrando afora
Ganidos de agonia ilegível
Aumento do preço do combustível
E adeus-à-nascença-vou-m’-embora.
O não-pequeno mundo é pequeno
Basta ler do Guareshi o Don Camilo
Anémono não é o açuceno
Nem a alegria se pesa ao quilo.
Eva-76, este registo
& o Wenceslau tão longe em Tokushima
Jesus, vem Tu cá a baixo ver isto
Não sei que inferno é por aí cima.
Talvez a inocência te castigue
Decerto aleitamentos tu falhaste
À morte porém ninguém te obrigue
Que, a defecar, o chão tu nunca erraste.
Ele há coisas tão bem mais engraçadas
Como bugia sebácea pela treva
Alumiando trovas desvairadas
Quem só nunca foi novo não se atreva.
Eu já vi a bondade a dois metros
Praticada sem pressa nem demora
Já vi quem nunca ri, quem nunca chora
Vejo-me como um desses obsoletos.
Que em patamares pró-ante-mondeguinos
Coimbram fartamente versos-nada
Sexta-feira que vem, nesta esplanada
Há descontos p’ra amendoins & finos.
São dezanove anos bem contados
Empós à alemã-nazi rendição
Só a humanidade é desumana:
Não rima consigo nem com o Cosmos.
Vá você esfregar sua cozinha
Não venha ser comigo comezinha
Eu vou dizer tudo ao Zé Duarte
Consig’ele se perdeu, não sei por q’arte.
(Tenho um Amigo-Dr.-Otorrino
Marquei p’ra 5.ª-F.ª uma lavagem
Que à minha audição re-volva imagem
& me resgate do ouvir-piscino.)
Sem comentários:
Enviar um comentário