Mais reticências entreparentéticas – 64
(…)
Fazendo vou por ter ainda alguns dias
alguns dias capazes de boa laboração
quando recorro à terceira-pessoa, faço-o sem ilusionismo
ferro, magnésio, carbono, farinha, tudo nos comunga
não me sinto excepção nem regra, por norma não
tenho tomado a medicamentação, o organismo dura
a revolução mundial, levo-a a cabo sem pressa
mudo de sítio os lápis, vou à marquise, espero que chova
a vicissitude pessoal, dou-lhe alimento de pé na cozinha
devolvo os lápis ao sítio, saio da marquise, oro por chuva
a 7 de Março próximo é dada a sentença ao Ricardo Salgado
ao contrário de mim, ele alega esquecimento
esta manhã (ora acabada), agi concertadamente
em mim foram contemporâneos o presente & o pretérito
fiz de Gilberto Valdez Bom-Dia Senhoromem
alimentei (manhã muito cedo) as aves da primeira-hora
não cometi a vaidade de chamar modesta à própria opinião
dei-me a prognoses ligeirinhas, que não levianas
pensei um pouco na tragédia pessoal de Oscar Wilde
não risquei conclusões, lamentei-o como lamento Alan Turing
& a execução de Sócrates & Albert Speer não ter sido enforcado
pensei também & ainda em animais a que pertenci
(mulheres, alguns deles)
& quase fui feliz dactilografando páginas sem porvir
assoma ora o período vesperal, na cozinha o caldo ferve
longe, o mundo próximo barafusta insonoramente
o que por aí vai de luz, de destinos, de contravenções
sinto-me por vezes tipo porteira de prédio francês nos 50/XX
aqui em meu cubículo, lamparina, caldo, pantufas, senhora-de-lourdes
& o transístor baixinho surdindo danças-de-salão
(…)
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