© Amadeo de Souza-Cardoso
Mesmidão – 70
Podeis (e se calhar deveis) opor a meus Amados Mortos
Vossos mesmos Amados por igual mesmidão Mortos também.
Pretendo tão-só universalizar, em Vós, a particularidade minha,
que acinte/afrontosa não há-de ser ante V.ª mágoa.
não sei donde nós viemos ou vamos enquanto gente.
redigiu Candide, que do Terramoto/Lx./1755 dá parte.
Desertos cronológicos impõem-se a espaços na mente. Há que devassá-los sem quebra. Acontece a toda a gente. Ninguém anda por aí a inventar a pólvora. A individualidade, sim, existe – mas ele há coisas transversais à condição humana.
Somem-se sem retorno as euforias frívolas.
A reiteração do já-vivido volve-se recorrente.
Isto é de grande naturalidade, instala-se espontaneamente.
E a contemplação ganha foros de tribuna permanente.
Colado a nós, o nome institúi-se pessoa-própria.
É a nossa marca, sombra fugidia embora.
É o que portamos nos tais desertos, carga sensível.
E não sermos tal nome é-nos impossível.
Segunda-Feira-Catorze-do-Dois. Em trânsito sentado vou andando quieto. Escuto a prelecção proferida por uma senhora a propósito de matéria documentável. A manhã acontece de luz indecisa.
Livros com ar de pessoas esperando.
São entidades da casa, alternativas dimensões dela.
Valem também como universos-paralelos, digamos.
Aquele: Pedro & Inez nele; aqueloutro: R. em Duino.
Permitem que nos não sintamos tão finitos.
Oferecem portais-do-tempo-espaço perfeitamente acessíveis.
Alimentam instantaneidades ubíquas, por assim dizer.
Migalhas diamantinas como o Sol fragmentado em água.
Segunda-feira, pois. Em curso, a tal prelecção da tal senhora. Estruturas arquivísticas. Métodos preferíveis de classificação. Destruição segura de documentos. Remessas & partilhas instrumentais. Conservação física. Acessos.
Sinais de vida: como fanais ardendo na noite do entendimento.
Outros sinais: aqueles mais pressagos, ominosos, funestos.
Alguém que algo duradouro nos transmitiu.
Alguém tão de nós diverso que nem idioma é possível.
Constâncias primevas da constituição pessoal.
Aquilo que nos tira de parecermos outros.
Aquilo que nos salva de sermos outros.
Custo: solidão garantida para o resto da vida.
Segunda-feira de um ano oblíquo, por assim dizer. Em curso, probabilidade de incerteza(s) candente(s). Pouquíssima gente ao alcance de qualquer das mãos. Os efeitos de escolhas pretéritas alinham-se ora em montra transparente: espelho.
Invejáveis pessoas, essas capazes de habitar tão-só o presente.
Com elas, não logram bulir nem o ido nem o por-vir.
Agem no imediato, não erram o chão quando defecam.
E não as toca qualquer sentido trágico – nem có(s)mico.
Nem morte súbita as sobressalta, por julgarem-na alheia.
Como os marinheiros de Ulisses, de tímpanos rolhados a cera grossa.
Lídimas são no trato do dinheiro, das courelas, leiras, belgas, olgas.
Os funerais & os baptizados parecem-lhes de conforme teor.
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