26/09/2011

ROSÁRIO DE ISABEL E DINIS seguido de OUTRAS FLORAÇÕES POR ESCRITO - 12 - Coimbra, Pombal, Leiria, sexta-feira, 8 de Abril de 2011

O SOL PARECIA OUTRO

Coimbra, Pombal, Leiria, sexta-feira, 8 de Abril de 2011


O calor abriu suas asas descomunais, parecem mais bonitas e menos fechadas as pessoas portuguesas do meu tempo. Vi há minutos, num banco assentada da plataforma de Coimbra-B, uma rapariga bonita como um recado vegetal. Tão bonita, tão bonita: como uma boa notícia, como dar sangue. Usava uma perfeição geométrica: digo: desenhada a tira-linhas, o colo muito manso, a boca sem gula abordando as frases do ar, os sapatitos ligeiros como plumas que um pato deixasse à flor-pele da lagoa, os joelhos sem dureza dobrando a subida à matriz púbica, a barriga estreita e firme, em cima os supostos morangos dos peitos, o olhar castanho como um pardal não me olhando. Sim, está calor – e eu escrevo-te esta carta espúria. O sol diadema-se todo nos campos de milho que condensam o ouro da terra. Regueiros de água chilreiam frescuras, a bom e a estibordo do meu corpo atento. Entre campos, casais apresentam cores: amarelo-creme, verde-lavanda, castanho-cabra, branco-giz, rosa-rosa. A minha vida vai quente. No comboio, percebo do exterior a brisa pela inclinação pensativa das ervas. Que precioso, dado o dia, não ter morrido até hoje. Ao cabo da linha, espera-me quem me quer – e eu vou-a. Este é o meu tempo, o pão que me amasso rindo-me do Diabo e de Deus, esses dois maganas fabricados pela superstição iletrada dos totós. Muito gostaria eu de assar um almoço sob aquelas árvores além. Convidaria os meus mais dilectos e predilectos amigos, haveríamos de juntar lume, vinho, peixes, sal, especiarias (das quais (a)mor a amizade), pão. No Café Alfa, em Alfa(relos), convivi certa ocasião com um revisor da CP. Falámo-nos bem. Nesse dia, o sol parecia outro: como que uma toalha de cinza sobre a mesa da realidade.

2 comentários:

fj disse...

O Café Alfa, em Alfa(relos), é coisa que eu conheci bem. Era aí que eu (re)pousava a minha ânsia de chegar a casa.

Daniel Abrunheiro disse...

E sempre chegas.

Canzoada Assaltante