© Fernando Aguiar
Em Coimbra para o resto do dia. Em estado de graça: muita luz, muitos rostos legíveis. Derivo reconhecendo tudo. A minha mocidade de 1976 na montra do pronto-a-vestir que então se chamava Tito Cunha, à Rua da Sofia (a dos Clérigos, a dos Colégios). A Tabacaria Portuense fechada – que será feito do senhor Manuel, que tinha nariz esmagado de pugilista e era tão bom homem? A fatalidade da beleza – digo: a das casas templárias, a das mulheres corsárias, a dos pombos cruzados, a das sombras medievas. Quanto estava à espera, dia a dia, gota a gota, da terminação física da minha Mãe, tanto andei por aqui, mas tanto, que o corpo se me volveu espécie decalcomaníaca dos muros da Cidade. Tatuagem-passagem fui em espera, resignação e caligrafia. Agora, a Mãe (o corpo dela) está morta, dorme em ossos. E Coimbra segue sendo isto: não abdicar nunca da beleza dela. Por (bom) exemplo: a beleza deste homem sentado na Pastelaria Império (Rua da Sofia ainda): seus perfil, frente e fronte, seu imaculado fato completo de linho branco, seus óculos fumados a azul-tempestade, sua elegância de tomador lento de cerveja a mais frígida. Ou então: a morenidão acalentada desta morena quente de filho a (tira)colo encomendando chá gelado e folhados de carne macerada a ervas especiosas. Ou então ainda: a minha mão direita pensando por mim, majorada dos óculos que assesto na zona norte do rosto para ver mais e mais clarafundamente para dentro. A minha Mãe no aquário piscívoro: o sol dando demãos de ouro na terra tão pobre, plena porém de conversas acabadas que os luares recomeçam entre lápides-datas-eternas-saudades. O peso-hélio no balão-coração: urdume do amor.
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