29/09/2011

Rosário Breve nº 226 - in O Ribatejo - www.oribatejo.pt - 29 de Setembro de 2011




Para José Niza

“Omnes una manet nox, et calcanda semel via leti .” (“A todos nos espera uma mesma noite; a todos nos toca pisar uma vez o caminho da morte.” – Horácio, Odes).
Faleceu José Niza. Já não é, por estes dias nem estivais já nem de Outono ainda, notícia. É memória. O corpo do médico, escritor, colunista, compositor e activista sociopolítico, entre outras estaturas, saiu do palco da vida pelas horas a que a pretérita edição do seu semanário (este, O RIBATEJO) se preparava para ver a luz do dia. Como sempre, o jornal trazia a coluna de Niza aos seus muitíssimos e fiéis leitores. Todos o liam, adorando-o ou desgostando dele. Eu lia-o. Não é nem difícil, nem precário, nem arriscado dizer que todos o admiravam. Eu admirava-o. Era das primeiras coisas que procurava em cada edição. Muitas vezes discordei dos seus argumentos. Às vezes, diametralmente. Mas (acreditai-me, por favor): sempre gostei muito do desassombro com que ele zunia o acerado fio da sua espada retórica, sempre apreciei sobremaneira a assertividade franquíssima com que ele desencabrestava o fel contra quem e contra aquilo que lhe não parecia nem decente nem respeitável, sempre assimilei a lição argumentativa que era a dele: dizer por boca própria o que se pensa no caso de se pensar pela própria cabeça…
Pois, ocasiões houve em que estivemos quase-quase em colisão. Aqui há umas temporadas (idas já, felizmente), um amigo dele era primeiro-ministro, não recordo agora o nome da (triste) figura. Niza era amigo (mesmo) dele. E defendeu-o com unhas, dentes, couro e cabelo. Sublinhou ele que “os amigos são para as ocasiões”. Estive vai-não-vai para, na semana seguinte, me meter com ele recordando-lhe que “a ocasião faz o ladrão”. Ainda bem que o não fiz. Doer-me-ia hoje, talvez, tê-lo incomodado. E vai daqui, até talvez não. Talvez lhe agradasse que um David-fedelho como eu se metesse com um humilde-Golias como ele. Ao contrário da história bíblica, talvez quem acabasse por levar a metafórica pedrada fosse eu, chiça…
Despeço-me dele com esta sinceríssima declaração: eu também escrevo versos, coisa que, segundo a Agustina, “é um mau passaporte para o mundo dos ajuizados”. Sim, escrevo versos: mas a verdade é que, por mais e mais que os escreva, nunca na vida deixarei algo que tenha a obstinada durabilidade destes de José Niza: “Quis saber quem sou / O que faço aqui”.
Ele sabia quem era. Ele sabia o que por aqui deixou feito.
Sit tibi terra levis, José: que te seja leve a terra, “depois do adeus”

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Canzoada Assaltante