02/09/2011

Rosário Breve nº 222 - in O Ribatejo - www.oribatejo.pt - 1 de Setembro de 2011


Crónica masculina

Por de mais breves dias, habitei os esplendorosos e ístmicos contrafortes de Peniche. É sítio onde o muito vento se volve espuma & pedra, sal & água, tempo & anestesia. Fez-me bem. Até que aconteceu o que passo a cronicar-vos.
Estava eu mui nadegamente confortável em um café-bar perto do histórico Forte, quando Ela se deu à luz para meu profundo desassossego e pélaga inquietação minha. Uma mulher maiúscula como um plátano. Justo na mesa defronte. A beleza dEla pôs-se-me logo a zunir no olhar-escriba como um cacho de abelhas-leitoras.
A cabeça, qual incêndio fulvo, convocava o óleo enxuto do ouro. A testa era-lhe perfeita: daria para escrever nela o vil vilancete de um ósculo demorado. A coluna dórica do corpo subia-lhe ao rosto a quietude toda jónica de uns olhos verdes palhetados a coriscos de cetim castanho, à boca uma insensata incursão nos domínios carnívoros da amora madura, ao pescoço a neve sólida e gráfica do cisne: e ao peito – bem, ao peito o balcão-de-ver-ópera a partir do qual apontava o binóculo dos mamilos, duras duas pontas reiterando dois morangos do mais rijo lacre. No resto, o rasto do rosto: ventre vertical (sem sequer uma bossazinha de celul(e)ite) e pernas 3D de gladíolo próspero. O todo dela apareceu-me subscrito por finas tiras de couro esc(o)uro enlaçador de uns dois pés que ao mais alvo mármore escureceriam, se cotejados.
Por modos, fiquei eu como que de areia plástica. Movendo-se, lenta, insuportável, Ela rangia papel: por ser, como era, uma capa de revista. Senti, sem ilusão nem remédio, chorosas e ganidas pulsações na próstata (sim, a minha ainda labora) em equívocos borborigmos de coração descaído ao norte das gónadas, as minhas. Sofri bem aquela ginecologia. Até que.
Até que o telemóvel dela a chamou. Era um gajo a chamar. Tinha de ser, pois pudera. Ela sorriu-se toda em faíscas dentárias da mais perlada e coruscante e marfínica e matadora maneira. Fiquei danado.
E mais danado fiquei quando, uma brevíssima eternidade depois, o tal gajo veio, a levantou e (m)a levou. Vale que me a não roubou de todo: eis cá que vo-la deixo às passivas mercê e atenção vossas, mesmo que para o que não der nem mais vier, em Peniche, ao vento que nada traz e a tudo leva.

4 comentários:

Filipe disse...

Bonito amigo. Abc

Daniel Abrunheiro disse...

Obrigado, cavalheiro. Abraço.

O Cidadão abt disse...

Olá Daniel Abrunheiro;

Cá este praça faz questão em ler os seus imprimidos artigos na derradeira página do ribatejano semanário.

Admirável a técnica de escrita projectada nesta sua cronicação nº222.

Estranho é o facto do seu passivo retrato ter mudado de figura.

Em antanho tempo apresentava-se com um másculo semblante jovial, quiçá inquisitorial, levando a crer que os óculos seriam demais para quão oblongo rosto, porquanto desde há três precedentes páginas se nos afigura ter avançado duas temporais décadas de pálidas e rugosas feições.

Deve-se a desgaste de escriba, doença, idade, ou por efeitos de fotoshop?

Daniel Abrunheiro disse...

A sacana da velhice não perdoa, Caro Cidadão abrantino. Mas pronto, vou tentar outra foto. Obrigado por ler, obrigado pelo contacto.

Canzoada Assaltante