09/08/2007

Cá com Coisas

© Arno Rafael Minkkinen


Tenho dentro muitas coisas partidas.
Também dentro tenho a maneira de colá-las.
Nunca voltarão a inteiras, eu sei.
Parecem coisas etruscas, quando as colo.
Se chove de lado, partem(-se) de novo,
antigas, etruscas.
Marcho como toda a gente marcha: para
o futuro com toda a pré-história
de fragmentos e sinais e escritas
laudatórias de deuses ensurdecidos
pelo fragor económico das vidas.

Tenho dentro muitas vidas partidas.
Também dentro tenho a maneira de endeusá-las.
A cola é feita de cuspinhenta luz.
Amanhã não.
Ontem também não.
Por favor: ontem também não.
Hoje.

Tenho hoje dentro muitas coisas e vidas.
Todas elas coláveis, todas elas
partidas.

Caramulo, tarde de 9 de Agosto de 2007

4 comentários:

Solum disse...

"cuspinhenta luz"? genial. Cão, abraço aí, tás em gande forma

Manuel da Mata disse...

Daniel,

É. Todos nós andamos com muitos cacos dentro.E cada qual vai fazendo as colagens possíveis, para adiar a inexorável ruína final.
Como eu sinto a urgência do final do poema!
Este final patético calou fundo dentro de mim.

Abraço,
Manuel

Daniel Abrunheiro disse...

Abraço, sempre. Mas abraço inteiro, que ele há coisas que não se partem.

Rui Correia disse...

De ti já não sei esperar menos, mas hoje ao ler-te quase me emocionei. Muito bem Daniel, este texto está tão, tão bom.
Beijinhos, Cecília.

Canzoada Assaltante