24/08/2007

Receios Meus e Dela (Rosário Breve nº 14)

Foto:
Porto,
Jardim de Teófilo Braga,
Praça da República,
© Richard Cooper



Às vezes, receio que a vida se me acabe antes de eu acabar de vivê-la. Outras vezes, receio que a vida se me acabe antes de eu acabar. Outras vezes ainda, receio que a vida se acabe. Finalmente, vezes há em que apenas receio a vida.
Inicialmente, a vida não me receou. Já por outras vezes, não receou a vida que me acabasse. Vezes houve em que a vida não receou acabamentos. E acabar nunca foi coisa de que a vida tivesse receio.
Acabar receios, enfim, é conforme a vida. Viver conforme, enfim, é um não mais acabar. O que não acaba, é o receio. Ou receio eu que não acabe. Que acabe antes de ser, finalmente, depois. Depois não é coisa que acabe antes.
Se lembrasse antes, o depois, de ser o que depois é, não haveria, depois, razão a recear antes. Entre antes e depois, o durante é de recear. Tudo é sempre durante. O receio vem de tanto antes vivido tão depois. E de o depois se parecer tanto com o antes e os durantes.
Eu e a minha vida somos coisas diferentes. Julgo que nos receamos um à outra. Quando a receio, fico em casa. Ela aproveita sempre para sair sozinha à rua. Ou nem sempre, mas também não quase nunca. Saio às vezes dela para estar sozinho comigo, ficando ela em casa receando talvez que eu não volte. Talvez não é decerto.
Por exemplo, um dia de muita chuva. Muita chuva é ela, a minha vida. Vivo vida e dia pensando no sol. Quando a minha vida me traz o dia de sol, desato eu a chover. Nem sempre, mas muitas vezes. Tem acontecido antes as vezes bastantes para que aconteça depois. Amanhã e ontem.
Hoje, não. Receio que não.

(A partir de hoje n'O Ribatejo, www.oribatejo.pt)


2 comentários:

Paula Raposo disse...

Simplesmente excelente!!

LM,paris disse...

o que é de recear é de nao viver
dentro e fora dela.Por vezes estamos virados do avesso, tontos e recusamos de ir ao recado, tant pis, fica para amanha...aplausos para o seu texto daniel!até jà, LM, paris

Canzoada Assaltante