08/08/2007

Nisto


© Gérard Castello-Lopes, Homenagem a Cartier-Bresson
Os blogs são coisas estranhas. Nós também somos isso. A vida também. Isto não é um poema. Isto é ter escrito para o papel outras coisas, que lá estão, no papel, fora daqui.
Uma pessoa habitua-se a cuspir para o ar. Depois, quando cospe para o papel, guarda o papel.
Ainda bem que nem todos somos estranhos.
Ainda bem que nem todas as vidas são estranhas. Ainda bem que nem todas as vidas estão nos blogs. Ainda bem que nem todas as vidas estranhas estão nos blogs. Ainda bem que nem todas as vidas que não interessam para nada nem a ninguém escapam aos blogs.
A minha avó nunca teve um blog. A outra também não. Fui o primeiro neto delas a ter um blog, mas elas nunca souberam. Se elas tivessem visto esta fotografia do senhor Gérard, teriam ambas achado muito bem. Eu também achei, mas há outros netos delas que se calhar até não. Mas esses não têm blogs, que eu saiba.
Ando a ler livros de papel. Ando a disfarçar que escrevo livros de papel. Mas só a leitura é real. A escrita é a tal coisa da cuspidela: para o ar, para o chão, para o lado, para ti, para mim. Para as vovós, não.
Escreve-se - e a vida põe-se de lado a assobiar-nos como se fôssemos putas ou o homem dos gelados na praia.
De modo que agora leio. Umas histórias de terror que o João me emprestou. Um livro do Rilke, que também já lá mora aos pés das minhas avós. Como seria um blog do Rilke, mas mesmo do Rilke? Se calhar, em alemão.
Anda por aí muito blog. Tenho assistido a coisas que ainda bem. Tenho visto coisas que nem na televisão de manhã, quando dão aqueles senhores e aquelas senhoras que justificam as morgues e os bastões de baseball, não necessariamente por esta ordem.
A fé é pouca.
A fé no mundo é pouca.
Mas os blogs são muitos.
Também era a única maneira de silenciar o ensurdecimento.
Também era a única maneira de ensurdecer o silêncio.
Era criar blogs.
Ele até há blogs para a fé.
Não há, é para o mundo.
Há para a masturbação mental e para as mentes masturbatórias, como a minha e a desses senhores que vocês, senhores, sabem.
O Cartier-Bresson lui-même é que tirava umas ricas fotografias. E anda nos blogs que se não farta. Está ao pé do Rilke e das minhas avós, agora. Aqui também não está.
Estamos cá nós: nisto.
Caramulo,
zero e 24 do dia 8 de Agosto de 2007
(29º aniversário da morte,
em Queluz,
de Ruy Belo,
que nunca blogou mas ficou.)

4 comentários:

Paula Sofia Luz disse...

Bem...

Afectos disse...

Uma bela e curiosa perspectiva a de Henri Cartier-Bresson. E como sempre a sua.

Paula Raposo disse...

Cheio de razão, Daniel.

Daniel Abrunheiro disse...

Preferia não tê-la, Paula.

Canzoada Assaltante