02/08/2007

Rosário Breve - 11 - AGOSTONIA

Sexta-feira, 3 de Agosto de 2007,
a undécima crónica de Rosário Breve.

AGOSTONIA
Lamento, mas nunca gostei de Agosto. Prefiro-lhe Junho e Setembro, gémeos iniciais e terminais, cada um à sua maneira, de outra ilustração.
Agosto é gordo e grosseiro. É um penico de ânsias. É o mais cansativo dos falsos repousos. E é trauliteiro, pauliteiro e paliteiro. Digo eu, que nada sei mas tudo sinto.
Em agosto, nada se aprende. Pés feios afloram de sebosas sandálias de couro plástico. Mulheraças encarnadas como lagostins-do-rio e desconjuntadas como carroças passam o mês a ralhar com as crias concebidas em outros agostos iguaizinhos a este. Derrubados em esplanadas de baquelite, homenzarrões pequeninos, entalados em camisoletas de cavas, expõem os tufos pilosos dos sovacos, de que emana um vinagrete em decomposição absolutamente mortífero para a pituitária individual e idem para a esperança colectiva neste País.
Depois, há ainda o problema dos ranchos. Pelos parques merendeiros, a gaitada acordeónica mescla-se à gordura da sardinhagem que estraleja de pimentões em fumo carbónico. Reco-recos e carcaças de suíno são indissociáveis, a par da fervura vínica e das sestas ressonadas a compasso binário à sombra de pinheiros que só não arderam ainda por momentânea indisposição do maluco local. Para piorar a conjuntura, os ministros da República surgem sem gravata na televisão, seus pescoços e rostos bronzeados ao limite pela vocação afro-atlântica das viagens pagas por nós.
Isso – e as férias dos actores e dos pivôs de telejornais, tão parecidos connosco, afinal, excepto no terem férias de revista de luxo rentes a piscinas globalizadas pelo nojo ao mar.
Já o Brasil, país que vive um Agosto perpétuo de carnavais, futebol-de-praia e meninos-de-rua, continua todo amontoado cá na militante e peregrina esperança de que Fevereiro chegue a todo o gás, tal que o mulherio se dispa de preconceitos e os preconceitos se dispam de gays.
Não, não posso gostar de Agosto. É em agonia que redijo esta crónica: por ser dia 1, chamo-lhe “agostonia”. Concedo que tais (des)considerações sejam menos imputáveis ao corrente mês (afinal abstracto e inocente degrau da calendária escadaria) do que à minha propensão vitalícia para uma espécie de melancolia que só se permite suavizar quando chove. Quando chove ou quando neva.
E é a maldade que, cada Agosto, me faz desejar que neve. Mas que neve assim muito, tanto, que, ao menos pelo frio, nos possamos disfarçar de evoluídos e civilizados como a Noruega.
No País dos acordeões e das cascas de melão, perdi já toda a esperança. Mas na neve em Agosto, ainda não.

6 comentários:

Manuel da Mata disse...

Caro Daniel,

Recomecei o trabalho em 1 de Agosto. Comungo do teu ponto de vista.
Um abraço,
Manuel

n disse...

muito interessante o seu texto!

Paula Raposo disse...

Sublime!! Odeio este mês...por tudo o que enumeras...por tudo. Odeio. Subscrevo.

mas disse...

Este texto está aqui:
http://tapornumporco.blogspot.com/2007_07_29_archive.html

Não sabia que o Daniel também postava no tapornumporco.

Daniel Abrunheiro disse...

Sim, sou um dos malucos do TapornumPorco. Maluquices, enfim, mas bem dispostas.

José Antunes Ribeiro disse...

Daniel, um grande abraço!
De acordo...Excelente texto.

Canzoada Assaltante