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Sonhadoria (*) - 94
Rostos de mulheres diversíssimas (d)entre si transpareceram em galeria no meu sonho (ou dormente devaneio) da noite antemediata.
Um dos rostos mirava à janela um prado nevado que em senda escura um ribeiro sulcava.
Depois (mas não há cronologia linear nos sonhos), outro rosto, permeado de árvores, assombrava de luz o bosque que ainda desejo devassar.
Um terceiro (mas não são ordinais os fenómenos eidéticos) olhou o eu que o sonhava – mas não o/me viu, pois que o vi continuando a olhar bem para aquém da minha nuca.
Um automóvel branco imobilizou-se em tal encruzilhada sob a vigilância da Lua: sem ocupantes era o veículo.
Outros objectos-legalmente-impossíveis anoiteceram comigo, que, bem jantado & bem agasalhado, não me dispus a dar luta ao sono. Exemplos desses o-l-i:
a dita Lua
assinaturas póstumas
um verso-branco
sonhos tidos por cães
felicidade em cartório-notarial
actos-falhados
já-vividos
fantasmas sanatoriais
um verso-azul
rosas-perpétuas
psiché de tia-solteirona
calendário ilustrado (Paulo VI em Fátima, A.D. 1967)
o ar dentre bordos de fissura calcária
canções de adeus-marinheiro
datas riscadas em cimento quando fresco
escrituras-mortas-do-mar-idem
filigranas silábicas escandidas a metro
dívidas do poeta Bocage
sonhos dos outros com outros, nunca comigo.
Dei em rol o pouco de que me lembro & o muito que minto. Na mesinha-de-cabeceira, velam a vela, o frasco com água, o candeeiro, o cinzeiro, a pipeta das gotas oftálmicas, o livro do O. Henry, o do Cesário Verde, a revista ornitológica, o porta-chaves sem chaves do União de Coimbra (fundado a 2 de Junho de 1919, segunda-feira).
(*) Sonhadoria é como traduzo, do Francês, rêverie. (Devaneio não me parece suficiente.)
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