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Fala o pobre maravilhado - 100
Maravilha de pobres: a passarada livre reiterando os céus.
Dou a tal epifania as poucas moedas que vale a vida.
Do patamar de Alberto Fidalgo, assisto às esquadrilhas aéreas.
Tenho a manhã livre, só trabalho à tarde hoje.
Hirsutas, grisalhas oliveiras em o terreno baldio.
No essencial, a infância sobrevive (– mas faz doer, faz sim).
Estudo algumas leis, aprendo uns quantos ardis operatórios.
Continuo porém a recorrer à dupla Óscar Lopes / António José Saraiva.
Não me ouvirá falar muito quem comigo se acampe, se acaso.
Disseram-me que Anselmo começou tossindo sangue em Janeiro.
Isso entristece-me, logo agora que se reformara de pensão completa.
Dizem-me que todavia segue venerando a Senhora de Fátima.
Na mocidade, José Roberto Vinhas Fernandes conheceu Maribela.
Dela se encantou ele muito – mas assaz em vão, por rejeitado.
Maribela nem era daqui, nascera em Portimão mas parecia alemã.
Como todos os amores perdidos, acabou migrando para Lisboa.
(Refiro-me a ela, que o Zé-Berto por Coimbra se ficou – e finou.)
A beleza destas histórias está no serem tão tristitas & tão inúteis.
Arfa a máquina-cafeteira, muitas bicas ela serve.
Senhoras encanecidas vieram a seus abatanados.
Lê o Diário de Coimbra um cavalheiro de perfeito atavio.
Morreu em autodesastre o rapaz que presidia à AAC, donzel Cesário Silva.
Não sou mais inteligente do que outros: e esperto, muito menos.
Descuidei a fortuna, dei-me (& dou-me) a fraquezas & a irrisões.
Já as andorinhas tracejam tinta-rápida na luz-matina.
À porta da mercearia, um casal moço confere as compras/contas.
Ele, parece que trabalha na fábrica dos artefactos de borracha.
Ela, diz que está desempregada, q’era caixeira de retrosaria.
Vão duros os tempos, isto na Ucrânia também só desajuda.
Digo-Vos isto por saber que V. interessa excruciantemente.
Já meã, a corrente manhã aguenta-me vivo, mais não peço.
Professoras reformadas gralham, muito alegres, aqui perto.
Eu nunca serei nem professora nem reformada – mas também gralho.
Daqui a meia-dúzia de cigarros, torno a casa, refervo o caldo.
Dois rapazes do Oriente tomam lugar perto das ex-docentes.
São vintistas decerto, duvido que conheçam o que seja ter trint’anos.
Fuma-se (só, a sós) na rua, há que respeitar as pessoas-de-interiores.
O antitabagismo é uma das mais viçosas neo-religiões, aliás.
É um tempo de “derivad’ò facto”, um tempo de “elo-de-ligação”.
Geral alegria de escola-mandada-à-merda, rapaziada!
Geral euforia de parecer valer mais do que ser, rapaziada!
(E não, não há remédio para os simplóides, os ignaros, os eleitores.)
Desinformação massiva ao gosto sionista-hollywoodesco?
Sim, por aí sem graça grassa, sim, não há como negá-lo.
Renitente escol proletário (perdoe-se-me o paradoxo, sff)
persiste na pureza dialéctica de uma doutrina falada mas falida.
O capitalismo-selvagem é papá de todas as bombas-de-gasolina.
Mas eu vou por Óscar Lopes / António José Saraiva: e é bem que vou.
Maravilha de pobres: rés-meio-dia, a livre passarada ceruleando-se.
O tempo (meteorológico) revira-se um pouco, talvez ’inda cacimbe.
Tornou-se mercurial o firmamento-matino, somos em aquário.
Lentos rapaces carvoam o ar da Conchada, daqui avistado.
Rápidos rapazes passam ao gás, em caminheta distribuidora.
(Gostaria muito de telefonar à minha Mãe, mas hoje não pode ser.)
Há perto de 900 anos (mui perto) somos Portugueses:
mas duvido por vezes de que queira tal coisa ser,
abre-se-me de madrugada a rua fria, estou sob o viaduto,
a mamã-de-Marcel-não-vem-beijinhar-me, pas-de-Paris-par-ici,
abandonei de modo decente a carreira docente,
outra não tinha, ou só a fingi, digo, escrevendo.
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