07/03/2022

REGISTOS CIVIS - 91

Prof. Dr. Luís Filipe Lindley Cintra

(1925-1991)


Domingo - 91

                      

 


    Falam alhures de um litoral extenso & deserto, longe de mais para que possa verificá-lo in situ. Depois, disponibilizam imagens dinâmicas de proximidade: pessoas, avenida, praia, crianças improváveis de 1928.

    Depois, terça-feira, 17 de Dezembro de 1963. Uma senhora (Nathalie Sarraute) diz de seu entendimento a propósito de Marcel Proust. As palavras da senhora são de plena clareza, nada emaranhadas.

    Ante a pessoa-em-si, possibilidade de dias tocados de diverso modo. Quantos dias & de que modo? Impossível responder já. A incerteza (logo, a insegurança também) campeia. Em certa bruma, incertas silhuetas.

    Jonas Quites cresce em casa avoenga.
    Edmundo Monte é seu amigo de criação.
    O século deles, embrulhado em papel velho.
    Tempo incinerado sem apelo possível.

    Deriva em Itália, cospe sangue arterial.
    Ganha um tempo mínimo: em pré-mármore.
    É já um ser boreal, Fevereiro o termina.
    Em raras casas será retomado, eis como é & será.

    Efígie de um adormecido, plenitude de sua serenidade gravada a cinzel. Sacro paganismo? Um pouco tal, assim. Ceptro, coroa. Cabelo azulado, que o Tempo, para lá de mero conto de anos, guarda em relicário. Resta alguma edificação? Sim: casebre, horta, poço, almácega. (Não confundir com alma cega.) Átrio, oratório, refeitório, escritório, observatório. Muito pode o esquecimento. E São Luís não tinha de ser excepção.

    Também 24 de Março de 1962 (sábado), Lisboa, Cidade Universitária, Professor Doutor Lindley Cintra, PSP & PIDE contra os estudantes em protesto. Relatividade absoluta dos actos & dos factos inscritos historicamente.

    Inelutável principado (pobrezinho embora) de cada Eu. Os Outros, em dispersa república. Combate inadiável à auto-subversão. A luz dando diagonalidade aos (poucos) móveis deste barraco. Fora, arvoredo, olhos-de-água, corvos privados.

    Arrábida, Sebastião da Gama, Mirante dos Frades, António Osório. O ar aberto abrindo-se(-nos). Sinto uma vocação de parentesco para com tal catálogo – ou tal crónica-geral, digamos. Não é factícia, tal vocação. Ou fictícia, vá.

    Linhagens crónicas, bastardias inclusas.
    Nascimento cor-de-violeta de uma matina.
    Tradição lírica, práticas épicas, mescla.
    E íntima aceitação do fenecimento, por académico.

    Luiz Damião Belchior Azuverte, esquecido.
    Belisa Lente de Faria Prado, mal-lembrada.
    São ambos demasiado não-Eu, demasiado Outros.
    Mas são de linhagem também, também violeta(s).

    Enclaves leoneses, Miranda do Douro, Rio de Onor, Guadramil. Bonito é revisitar canhenhos que aviventaram a mocidade (tão) pretérita. Consanguinidade galaico-portuguesa. Beleza da prospecção idiomática.

    Sim, também a geografia pode dar escopo ao auto-entendimento.
    A futura está naturalmente velada de sua bruma própria.
    Nem toda a pretérita, note-se-o bem, é cinérea.
    Alguma coisa se faz ser pensada em terra(s).

    Sim, é possível tutear alguns sítios vividos em corpo.
    Outra é a topografia de algum desejo recorrente.
    A Arrábida, por exemplo; a Noruega, por exemplo.
    Em verso-livre, semelham contiguidade, que engraçado.

    Bernardo, que foi depois taberneiro nas traseiras da Biblioteca, gostava muito de cinema. Tanto, que até os filmes medíocres lhe agradavam. Era o escapismo dele. Não lhe foram suaves a infância & a puberdade. Isto não é mentira.

    Roberto Daniel, irmão de Bernardo, foi fotografado na companhia da tia Lucídia no ano da morte de Robert Oppenheimer: 1967. Lucídia, nascida em 1933, migrou para Bragança, onde fez um casamento serôdio & tranquilo, de que não houve filhos.






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