10/03/2022

REGISTOS CIVIS - 93

© Vivian Maier




Processual - 93

                      



Expeço, autuo, tramito processos – em a mente apenas.
Despacho & executo quanto acaso despache.
Não dependo de outra magistratura que a da consciência.
Tenho cartão mas não passo cartão ao deus-não-dará.

Erro & omito & até minto o mais humanamente.
Reclamo por escrito, isto é: ante cegos esbracejo,
a surdos vocifero, meu é um âmbito ment’erritori’al só.
(Talvez Coimbra me seja, por excepção, norma.)

Versos? São autos & termos & citações & notificações
para ninguém, talvez, mas não de ninguém.
Ontem ainda (que nada secretariei escreventemente),
averbei a meu elenco dois Daniéis, dois bem contados.

Foram cantores: D. Fogelberg (EUA, 1951-2007)
& D. Balavoine (França, 1952-1986).
Fizeram ambos com que não escrevesse.
Pensei neles escutando-os, sabendo-os mudos ora.

Em acarinhado processo enceleiro provisões lexicais,
são meus brinquedos o mais sérios & nutrientes.
Permitem-me profligar mais precários instantes,
escapar-me quase ileso aos mais movediços marnéis.

Dulçorosa me é cada hora a canhenhos-lexicões dedicada.
Acurada atenção doo (de doar, não de doer) ao que
a outros (tantos!) semelha merecedor de derrisão.
E trescalante me dou em cheiro forte aos sem-olfacto.

Anda algo de Vivian Maier (USA, 1926-2009) em tudo isto.
(Dúvida nenhuma quanto a isto, dúvida nenhuma.)
E de Jorge Miguel Ferreira Nóbrega, cavalariço de D. Rafael,
apreciador de ponche quente & de arenques grelhados.

(Não sei as duas datas do estribeiro Jorge, não tenho como sabê-las.)
(Já agora também, de D. Rafael d’Ávalos sei tão-só a do óbito: 1954.)
(Sei todavia que só nos resta jogar-às-escondidas com nossos prazos:
tanto os dilatórios quanto os peremptórios, por norma inglórios.)

Preciso é não confundirmos Yeats com Keats.
Nem Pessanha com Pessoa. Nem Calvino (João) com Calvino (Italo).
Nem Francis Bacon chanceler com Francis Bacon pintor.
Nem Albert Speer com Albert Camus, por quem lá tendes.

Nem marnel com mainel. Nem combinar com cominar.
Nem inocência com decência. Nem uma locomotiva com o que o maluco motiva.
Assim seja. Quanto por acaso.
Assim se veja. Mesmo que pela mente só.






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Canzoada Assaltante