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Píndaro - 83
Insana & malsã é muita gente por este mundo. Fundamentalistas fundamentalmente errados vicejam sem fadiga aparente. Sátiros faunam bosques de betão. Lerdas & galináceas, genuflectem-se as bípedes alimárias duas vezes ditas sapiens. Assim é, se calhar sempre foi, talvez sempre seja.
Ocorrem-me o padre António Vieira & o sapateiro Bandarra, escatólogos. Velhas leituras deles fiz há muitos, muitos anos – mais de quarenta. É engraçado, isto da permanência & da persistência de certas passagens vitais. Não poucas vezes sou sede de tais revisitações. Às vezes, gosto.
Nenhuma tertúlia virá dar albergue à noite: as criaturas desta sofismam a sós. Tornou-se tudo o que já era. (Cf. Píndaro: “Torna-te no que és.”) Em um sentido, é pena – em muitos outros, porém, nem por isso. Francamente, nem por isso. Vieiras & Bandarras são para consumo da/na casa quinto-imperial.
Maria de Lourdes Cidade Menéres palestra no Ateneu, certa invernosa quarta-feira do ano 1977. Sábia senhora, a quem nem palpos nem aranhas emaranham a fala. Só, por assim dizer, transversalmente me recordo de tal sessão. São muitas as águas passadas por sob a ponte que me coube estender.
Não farei a apostasia do meu até-hoje. Nem, por contraste, a beatificação de tal coisa. Pureza & impurezas são coetâneas, nada a obstar. Nem vejo como diverso poderia ser. Não, não propinarei necedades. Por mil demónios & cem mil lacedemónios, não. Outras coisas hei que (& hei-de) fazer.
Utilidades - 84
Delfim Jorge Carvalho Mateus ensinou-me uma loja de pequenas coisas deliciosas: papelaria, cerâmica, brinquedos, utilidades formosas. Entrei lá senilóide, de lá saí menino. Voltarei a tal comércio logo que algumas moedas me povoem a algibeira.
Sílvia Maria Veraz Campomaio nada me ensinou que eu retivesse. Dizê-lo assim não é forçosamente negativo. Trata-se apenas de alguém com quem cometi um dos piores pecados: queimar tempo. Lá vai, que a não retenho.
Carlos Alberto Tomé Piruças é que a sabe toda. Enveredou pela carreira militar, reformou-se (muito) cedo com pensão-completa. Dedica os seus dias pós-castrenses a restaurar velharias. Fá-lo primorosamente, magano do homem. E é feliz sem pensar nisso.
Janeiro Áspero Cabido Turvo faz versos sempre que outra coisa não pode fazer. (Não é meu heterónimo, que não tenho estudos para tanto.) Alguns poemas seus foram já publicados em pasquins de regional vigência. Então:
Rosada alva tinge a silhueta montanhosa
Rosa em branco desenegrece o azul lunar
Despertam já as aves, recomeça o circo circular
O dia termina cinza mas começa em rosa.
Bela Ester Marques do Ó não faz versos – mas inspira-os musamente a Janeiro A.C. Turvo, que a ama devagar há décadas rápidas. Todavia, amando-a tanto embora, Janeiro não a retrata nem a redondilha. É discreto, verseja paisagens tão-só.
Ajuramento a verdade destes assentos, cosmetizados embora de ademanes literaturalhos avonde. De fragmentária lembrança recolo & recolho cacos unitários. Onde acima escrevi Delfim, penso Joaquim; onde Sílvia, Otília; onde Carlos, Lucídio; onde Bela, Natalina; e onde Janeiro, Março.
Aparato - 85
Carnaval no dia-primo de Março. Estive pela finimanhã com um cavalheiro meu Amigo. Às federicolorquianas cinco-de-la-tarde, visito o meu Irmão. Dia não-pobre, portanto, antes sim provi(n)do de pensamento, algum do qual exteriorizado.
O entardenoitecer trouxe consigo alguma chuva: mas pouca, de menos para a necessidade do solo pátrio. Perdemos o inverno – em lugar dele, uma mera acalmia na torreira de onze meses ao ano.
A guerra russo-ucraniana tirou protagonismo à pandemia chinesa. Os números de mortos diários são agora os do conflito leste-europeu.
Dia-segundo do mês-terceiro, ei-lo em moção.
Tratando vou de acções & decisões sujeitas a registo.
Quanto a exacções & a indecisões, sim-talvez-&-não.
Não é singelo tratamento, é mais para o misto.
Matriculo-me no renascimento possível de cada neodia.
Neurotransmito-me por escrito ao receptores.
Ou então releio Os Simples & Os Meus Amores
de penates pagãos pela Virgem Maria.
Em duas horas, serei livre um pouco pela rua.
Vou-me a tratar de papéis de minha curadoria.
Não me vou a roubar nem a fazer falcatrua,
que o juro aos penates & à Virgem Maria.
De ontem para hoje, sonhei em força & com fartura. Gente (de que sei o nome) representou, para meu gáudio, papéis que na vida dita real nunca representariam. Como já há anos me vem acontecendo, foram sonhos assexuados, nada contaminados pela baba da luxúria.
A.T. fazia parte do elenco: queria à viva-força que eu lhe desculpasse certa impertinência (dele) muita antiga – e que eu totalmente esquecera.
Um primo meu pediu-me que lhe dissesse o número de telemóvel de uma alemã acampada ali no parque da Gala. Disse-me ele que não-era-cá-por-coisas, que era para lhe pedir emprego em Frankfurt am Main.
Corria-se a maratona em um circuito de ida-&-volta. O ápice meão da prova situava-se numa curva de montanha. O prémio de participação era bom o bastante para até a fumadores crónicos como eu atrair em barda. Penso que ainda cumpri oitocentos metros, por aí mais ou menos.
Também a minha professora L.M. deu de si, defunta embora há quase duas décadas. Surgiu em transparência baça de papel-vegetal. O olhar dela entristou-me muito: a palavra que me ocorre para descrevê-lo é insuprível.
Despertei sem esperanças nem perdas de mor aparato.
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